Está em curso no Rio Grande do Sul uma inundação devido às chuvas, à ruptura de barragens e a outros fatores, como a dificuldade de escoamento das águas. Praticamente todo o estado está afetado, com vários municípios e cidades inundadas. Dada a rapidez com que essa situação se estabeleceu, várias pessoas não conseguiram sobreviver, morrendo afogadas ou devido a traumas; outras perderam seus pertences, ficaram desabrigadas e sofreram ferimentos de diferentes intensidades, muitas vezes necessitando de tratamento cirúrgico.

Obviamente, a urgência no atendimento imediato se fez necessária, mas nem sempre é possível. Essa inundação não tem previsão de ser resolvida. A falta de água potável e alimentos para pessoas que ficaram isoladas foi inicialmente a regra. Posteriormente, várias foram socorridas por meio de transporte por barcos, helicópteros, etc.

A situação é extremamente grave e envolve muito sofrimento, pois a ingestão acidental de água contaminada por bactérias e protozoários causou infecção do aparelho digestivo, com sintomas como diarreia e vômitos, tornando necessária a hidratação por via endovenosa, nem sempre disponível de imediato.

Muitas vítimas e socorristas ficaram em contato direto com a água por dias seguidos. Algumas estavam com ferimentos, outras tiveram a proteção da pele diminuída, tornando-a mais permeável à penetração de micro-organismos, como a leptospira e outros. Obviamente, em uma população vacinada contra o tétano como parte do esquema vacinal (tríplice), já há uma certa resistência a essa doença. No entanto, no caso da leptospirose, uma doença com alta mortalidade, que varia de 10% a 40% mesmo em pacientes submetidos a tratamento intensivo, a ameaça é maior. Na Guerra do Vietnã, os americanos registravam taxas de mortalidade de 40% a 50% nos casos graves (doença de Weil), provocada por insuficiência renal ou sangramento digestivo, pulmonar ou SNC.

Em São Paulo, na época do verão, as chuvas causam muitos alagamentos e, poucos dias depois, vemos pacientes com a forma grave da doença. Os sintomas mais comuns são icterícia de tom avermelhado, febre e dores musculares, destacando-se a dor nas panturrilhas.

A água veicula a leptospira, presente na urina dos ratos, que são seus hospedeiros naturais. Em locais populosos como cidades, a inundação acaba colocando a urina dos ratos, que vivem em esgotos e portam a leptospira, em contato com os seres humanos. Estes podem ter lesões na pele, principalmente nos membros inferiores, ou mesmo sem lesões, já que a bactéria pode penetrar na pele íntegra, fragilizada pelo contato prolongado com a água. É importante lembrar que a leptospira também pode entrar pelas mucosas da boca e dos olhos.

A leptospirose tem um período de incubação variável, que vai de um dia, quando há uma carga infectante grande, até 30 dias, sendo que a maioria dos casos ocorre geralmente entre 7 e 10 dias. Os sintomas iniciais que chamam a atenção são febre alta de aparecimento abrupto, dores musculares, destacando-se a dor nas panturrilhas (barriga das pernas), e icterícia de tom avermelhado (icterícia rubínica). Há uma evolução rápida para os casos graves, que frequentemente necessitam de cuidados intensivos.

Há recomendação para que pessoas expostas ao ter contato com a água possivelmente contaminada com leptospira façam uso da doxiciclina (vibramicina-nome comercial) por 1 dia ou poucos dias. É importante destacar que essa medida é correta quando há situações pontuais, geralmente acidentais, ou pouco duradouras, com a água contaminada. Vale a pena dizer que a leptospira, assim como outras bactérias do mesmo gênero, como o treponema palidum (da sífilis) são sensíveis a vários antibióticos.

A situação presente no Rio Grande do Sul é diferente, pois populações inteiras de cidades inundadas estão entrando em contato com a água de enchentes, que provocam uma mistura com água de esgoto onde vivem os ratos, e a possibilidade de uma epidemia de leptospirose, poucas vezes observada, é real e provável.

Várias pessoas, tanto vítimas da inundação como socorristas, estão em contato prolongado (dias) com água infectada com leptospira, com várias reinfecções, coisa que obviamente não se resolve com antibiótico efetivo, mas que cobre preventivamente por poucos dias. A penicilina sempre foi muito eficiente e usada no tratamento da leptospirose, e achamos que no momento presente é a melhor solução para tratamento preventivo da leptospirose. Para se fazer uma cobertura preventiva da doença, o uso da penicilina benzatina 1.200.000 (nome comercial benzetacyl) em dose única, intramuscular, por ser de absorção lenta, com níveis de efetividade de 30 dias, é a melhor escolha. Além de efetiva tem a vantagem de resolver o problema com uma única injeção intramuscular.


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