Mais e mais estudos confirmando o que sempre mostramos na COVID-19. Hoje vamos de dupla. Parece-me que os estudos estão cada vez mais alinhados com o que estamos tentando mostrar há dois anos.

O European Journal of Endocrinology deixou a militância de lado e quis saber de entender o fenômeno e os dados.

Nos últimos dias, ela publicou não um, mas dois estudos brilhantes que confirmam, confirmam, reforçam, escracham na cara de todos, etc, que nossa teoria androgênica da COVID-19 sempre esteve absolutamente certa. Os dois trabalhos são os seguintes:

1 – “Higher premorbid serum testosterone predicts COVID-19-related mortality risk in men“. Em tradução livre: “Níveis mais altos de testosterona antes da COVID-19 predizem mortalidade por COVID-19 em homens”

2 – “Inheritance of a common androgen synthesis variant allele is associated with female COVID susceptibility in UK Biobank“.

Alelo (pedaço pequeno do gene) variante que regula a síntese de androgênios (hormônios com ação de testosterona) está associada a suscetibilidade de infecção por COVID pelos dados do Biobank do Reino Unido.

Vou explicar didaticamente o que cada um deles diz.

São dados. Não opinião. É ciência, não slogan de ativismo. Quem continuar refutando por vaidade ou questões pessoais vai ficar cada vez mais feio perante a história. Vamos ver quando a humildade permitirá admitir que erraram.

Estudo 01

Higher premorbid serum testosterone predicts COVID-19-related mortality risk in men

Esse estudo avaliou a correlação entre níveis de testosterona antes da COVID-19 e mortalidade por COVID-19 em quase 160.000 casos de COVID-19 em homens no Reino Unido. 

A análise ajustou para inúmeros fatores que poderiam influenciar os níveis de testosterona ou risco de morte por COVID-19, incluindo idade, região onde mora, etnia, se mora com parceira(o), consumo de álcool, tabagismo, atividade física, nível educacional, circunferência abdominal, IMC, colesterol, comorbidades incluindo obesidade, câncer, doença cardiovascular, enfisema pulmonar, diabetes, hipertensão, doenças hepáticas ou renais, doença tireoidiana, etc, uso de medicamentos, incluindo corticoides, opioides e anti-convulsivantes, e até o horário da coleta da testosterona (que importa MUITO porque a testosterona varia ao longo do dia, com seu pico no início da manhã. 

Ou seja, os idiotas de plantão não poderão falar ‘ah, mas é porque era mais velho, tinha mais doença, etc’. Foi ajustado para todos os fatores, como se todos os quase 160.000 homens fossem praticamente idênticos (fatores residuais não ajustados, como por exemplo marca preferida de cueca, não influenciam na análise).

Os 20% dos homens com níveis mais elevados de testosterona tiveram risco de morte por COVID-19 aproximadamente 20% maior do que os demais.

Ficou muito claro. 

Aliás, 90% dos homens tiveram queda de testosterona durante a COVID-19 dentre meus pacientes. Não precisamos mais desenhar, né

Observação: O banco de dados do Reino Unido, um dos mais completos, rígidos e precisos do mundo, é e será o caminho para obtermos muitas respostas para COVID-19.

Um adendo importante (1): a testosterona livre calculada não mostrou a mesma correlação. Conforme dizemos, a testosterona prediz mortalidade, mas tem muito mais a ver com a relação entre testosterona, DHT (5x mais potente que a testosterona), estradiol e sensibilidade do corpo a esses hormônios do que ela sozinha.

Um adendo importante (2): a testosterona pode trazer inúmeros benefícios metabólicos, bioquímicos, de composição corporal, etc, e com isso reduzir o risco da COVID-19. O que esse trabalho avaliou é quando esses benefícios são “anulados” de propósito para ver como a coisa se comporta quando é a testosterona em si, é que ela pode agravar a COVID-19. Isso não significa que testosterona mais alta seja um fator de risco, até por conta dos benefícios que contrabalanceiam. O foco é mostrar o mecanismo.

Um adendo importante (3): dosar testosterona durante a COVID-19 prediz o risco de COVID-19 – quanto mais baixo, maior risco – mas porque quanto mais agressivo o vírus, mais ele ataca os testículos e mais ele bloqueia abruptamente a produção de testosterona. Por isso, a testosterona durante a COVID-19 é um marcador, ou seja, ela ‘me conta’ o quão agressiva está a COVID-19 para aquele homem.

Estudo 02

Inheritance of a common androgen synthesis variant allele is associated with female COVID susceptibility in UK Biobank“.

A mulher fica “mais masculina” após a menopausa? Entendendo a relação entre os ovários e a mulher antes e após a menopausa, para entender o estudo, e o mais legal, para as mulheres entenderem seus corpos cada vez melhor.

Em mulheres mais velhas, a chance de pegar COVID-19 é maior nas mulheres que sintetizam mais testosterona nas glândulas adrenais.

A vida da mulher adulta pode ser dividida (de forma simplificada), do ponto de vista biológico, entre duas fases: pré-menopausa e pós-menopausa.

Na pré-menopausa, os ovários da mulher estão funcionantes e são quem ‘predominam’ na produção de hormônios. Os hormônios predominantemente femininos, em especial o estradiol, ‘domina’ mais do que o hormônio predominantemente masculino (testosterona). O estradiol tem um papel protetor bem estabelecido para COVID-19.

A menopausa acontece porque os ovários morrem. A mulher nasce programada com número pré-estabelecido de óvulos e com vida útil já pré-determinada, a despeito de haver fatores que adiantam e que atrasam (vinho!) a menopausa.

Quando os ovários ‘morrem’, quem ‘assume o comando’ no sentido de tornar-se responsável pela produção de hormônios sexuais são as glândulas adrenais (também chamadas de suprarrenais).

Só que as glândulas adrenais praticamente não produzem estradiol. Com isso, os hormônios mais ‘masculinos’, incluindo testosterona e outros hormônios com ação de testosterona, passam a predominar em relação a hormônios femininos (estamos falando sempre de proporção entre os hormônios, e não de níveis absolutos, que são muito menos em mulheres do que em homens).

Essa mudança na pós-menopausa, com menos hormônio feminino deixa a proporção entre hormônios masculinos e femininos (proporção, não níveis) um pouco mais parecido com os homens. Isso pode ajudar a entender, por exemplo, porque mulheres após a menopausa passam a acumular muito mais gordura na barriga (que em inglês tem até uma expressão, a ‘menopause belly’).

O que a explicação tem a ver com o estudo de mulheres, hormônios masculinos e COVID-19? Pois bem, explicado isso, o que tem a ver com o esse estudo? Esse estudo avaliou simplesmente todo o banco biológico humano da Inglaterra. E o que eles encontraram?

Que mulheres que tendem a sintetizar mais hormônios masculinos nas glândulas adrenais são mais propensas a pegar COVID-19. Só que isso somente em mulheres mais velhas, em especial naquelas que estão na pós-menopausa e que certamente não estão mais em reposição hormonal, ou seja, acima de 70 anos.

Provavelmente, antes disso, o estradiol, que como já dissemos ser protetor, estava ‘protegendo’ as mulheres desse aumento da suscetibilidade para pegar COVID-19.

Isso reforça muito nossa teoria androgênica na COVID-19. Ela não depende somente da testosterona, mas sim da ação dela e da contra-regulação com o estradiol. Por isso que a proporção entre os hormônios importa mais que níveis isolados.

Por trás de todo grande homem, existe uma grande mulher. Por trás de todo homem com grandes níveis e efeitos da testosterona, existem grandes efeitos do estradiol. Mas isso é um outro papo.

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