A princípio, seria esperado que os órgãos reguladores de medicamentos fornecessem uma avaliação imparcial e rigorosa a respeito dos medicamentos experimentais antes destes chegarem ao mercado. Porém, uma matéria investigativa publicada no periódico The British Medical Journal (BMJ) questiona se estes órgãos têm, atualmente, independência suficiente das empresas, as quais eles deveriam regular.

“Pacientes e médicos esperam que os reguladores de medicamentos forneçam uma avaliação imparcial e rigorosa dos medicamentos experimentais antes de chegarem ao mercado. Mas eles têm independência suficiente das empresas que devem regular?”, questiona a abertura do artigo.

O BMJ solicitou das seis agências reguladoras líderes (Therapeutic Goods Administration – TGA da Austrália,  Health Canada – HC do Canadá, European Medicines Agency – EMA, da Europa, Pharmaceuticals and Medical Devices Agency – PMDA do Japão, Medicines and Healthcare Products Regulatory Agency – MHRA do Reino Unido, e Food and Drug Administration – FDA dos EUA) uma série de informações sobre seu financiamento, transparência em suas tomadas de decisão e de dados, e também a taxa de aprovação de novos medicamentos.

Este levantamento mostrou que, nas últimas décadas, a origem do financiamento destas agências reguladoras vem mudando, e a porcentagem do orçamento que vem da indústria tem crescido significativa, senão, assustadoramente. Dentre as agências reguladoras analisadas, a australiana TGA teve a maior proporção do orçamento advinda da indústria (96%) e, em 2020-2021, aprovou mais de nove em cada 10 pedidos das empresas farmacêuticas. Quando consultada, a TGA negou firmemente que sua quase exclusiva dependência de financiamento da indústria farmacêutica represente um conflito de interesses.

Corrupção institucional

O artigo cita o sociólogo Donald Light, da Universidade de Rowan (Nova Jersey, EUA) que passou décadas estudando a regulamentação de drogas: “Como o FDA, o TGA foi fundado para ser um instituto independente. No entanto, ser amplamente financiado por taxas de empresas cujos produtos é encarregado de avaliar, representa um conflito de interesse fundamental e um grande exemplo de corrupção institucional”. E acrescenta: “É o oposto de ter uma organização confiável avaliando medicamentos de forma independente e rigorosa. Eles não são rigorosos, não são independentes, são seletivos e retém dados”.

A preocupação em relação aos conflitos de interesse estende-se também aos envolvidos em assessorias que deveriam fornecer aos reguladores uma consultoria especializada independente. No ano passado, uma investigação do BMJ encontrou laços financeiros entre fabricantes de vacinas e consultores especializados para aconselhamento sobre vacinas contra covid-19 no Reino Unido e nos EUA — vínculos estes que os reguladores julgam aceitáveis. Dos seis principais reguladores abordados pelo BMJ, apenas o canadense , tinha uma equipe de avaliação  completamente livre de conflitos de interesse financeiros.

Ao longo da última década, ocorreram melhorias na transparência e acessibilidade dos dados dos ensaios. Atualmente, a EMA e a HC publicam em seus sites parte significativa dos dados clínicos recebidos pelas empresas responsáveis pelos medicamentos. Entretanto, a maioria das agências reguladoras não realiza suas próprias avaliações dos dados individuais dos pacientes, confiando em resumos preparados pelas empresas patrocinadoras dos medicamentos.

O artigo destaca também que após a crise da AIDS das décadas de 1980 e 1990, criaram-se mecanismos no processo de revisão regulatória de forma a acelerar a aprovação de novos tratamentos. Esses processos de aprovação acelerados resultaram em uma maior aprovação de novos medicamentos mais propensos a serem retirados por razões de segurança, mais propensos a carregarem um aviso na caixa de potenciais efeitos adversos graves, e mais prováveis de serem descontinuados voluntariamente pelo fabricante. Consultado pela jornalista da BMJ, o professor de medicina  de Harvard, Aaron Kesselheim, , conclui que as aprovações aceleradas geralmente têm critérios mais baixos de avaliação da eficácia.

Os críticos argumentam que a captura regulatória não está apenas acontecendo pela forma como as agências são financiadas, mas também devido ao fato de que muitos de seus funcionários trabalham ou prestam consultoria para as mesmas empresas que eles regulam. Sendo, então, necessárias mudanças estruturais para restaurar a capacidade dos órgãos reguladores de realizar tomadas de decisão livre da influência da indústria.

Proporções dos orçamentos derivados das indústrias farmacêuticas:

Austrália (TGA): 96%
Europa (EMA): 89%
Reino Unido (MHRA) 86%
Japão (PMDA): 85%
EUA (FDA): 65%
Canadá (HC): 50,5%

Questionamentos MPV

Os órgãos reguladores devem ser independentes, ou seus funcionários podem ser remunerados pela indústria farmacêutica que eles fiscalizam? É ética a dupla função? Existe independência? O resultado desse trabalho é favorável às pessoas ou ao lucro dessas empresas?

Fonte

Artigo original: “From FDA to MHRA: are drug regulators for hire?“.

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