No dia 10 de agosto, publicamos aqui, no site do MPV – Médicos Pela Vida, uma notícia relatando os resultados do estudo do uso da hidroxicloroquina em profilaxia pré-exposição contra a Covid-19: “Estudo de Harvard comprova eficácia da hidroxicloroquina para profilaxia da Covid-19“.

No dia 15 de agosto, a agência Reuters, ouvindo pesquisadores brasileiros e o autor principal do estudo, publicou, contradizendo os resultados do estudo, uma checagem de fatos em português: “Fact Check-Estudo não prova eficácia da hidroxicloroquina para prevenir Covid-19, nem foi feito por Harvard“.

Três dias depois, no dia 18 de agosto, nós, do MPV, publicamos uma aprofundada análise da checagem de fatos da Reuters. Explicamos porque as críticas dos pesquisadores brasileiros à pesquisa não faziam sentido. Além disso, explicamos porque argumentos de um dos autores do estudo, o epidemiologista Miguel Hernán, professor em Harvard, ouvido para a própria checagem, eram corretos, detalhando suas explicações.

Entretanto, mesmo após detalharmos as explicações, nós, do MPV, continuamos lendo e ouvindo todas as críticas ao estudo que concluiu, de modo estatisticamente significativo, pela eficácia da HCQ em profilaxia pré-exposição. Fazemos isso em busca de argumentos científicos sólidos que possam alterar nossas recomendações do uso do fármaco na luta contra a Covid-19.

Quem é Leo Costa e porque precisamos responder

Todos que estudam e buscam sobre o assunto medicina baseada em evidências, hora ou outra, tornou-se público alvo dos repetitivos anúncios de Costa, um fisioterapeuta que vende cursos de “Práticas Baseadas em Evidências” através de postagens patrocinadas nas redes sociais. Sua peça de propaganda afirma: “Prof. Leonardo Costa é referência em PBE com grande atuação internacional”.

Costa fez uma análise do estudo dos pesquisadores de Harvard. Para ele, a revisão é “inválida”, disse. Contudo, apesar de usar um alto nível de sarcasmo, recurso retórico para se colocar como um grande especialista, é uma análise amadora e extremamente deficiente. Por si só, para pessoas com conhecimentos sólidos de medicina baseada em evidências, o que ele diz não se sustenta, sem potencial para causar danos. Entretanto, mesmo com limitada capacidade de análise científica, Costa possui um excelente domínio das ferramentas de marketing e seu vídeo, publicado no Instagram, chegou a 37 mil visualizações, precisando, portanto, que apontemos, detalhadamente, seus erros.

A base da argumentação de Costa

A principal base para Costa falar que a revisão sistemática com meta-análise, revisada e publicada em agosto de 2022 na Revista Europeia de Epidemiologia, um periódico científico de alto impacto (12.434), é inválida, foi compará-la com uma meta-análise, publicada ainda em fevereiro de 2021, na Cochrane: “Chloroquine or hydroxychloroquine for prevention and treatment of COVID‐19“.

Usando analogias infantilizadas, segundo Costa, a revisão dos pesquisadores de Harvard “é uma pessoa com a roupa do Batman, mas não tem super poderes” (sic), enquanto, em sua interpretação, “O Batman de verdade, é a revisão da Cochrane”.

Meta-análises e revisões são estudos que analisam um conjunto de evidências de outros estudos. Ou seja, são estudos de estudos. Costa, analisando os dois, afirma que a meta-análise dos pesquisadores de Harvard contém menos estudos incluídos do que o estudo anterior, da Cochrane, e por isso, o da Cochrane, que concluiu para uma não eficácia, é o que traz resultados válidos e conclusivos.

“Como é que uma revisão de agosto de 2022, que se diz atualizada, que mudou o rumo da humanidade, tem menos estudos que uma Cochrane publicada no ano passado?, pergunta Costa, colocando em dúvidas os resultados.

O erro colossal de Costa

A meta-análise dos pesquisadores de Harvard é de profilaxia pré-exposição e profilaxia pós-exposição. Chegou à conclusão que há significância estatística de eficácia em profilaxia pré-exposição. Neste cálculo, juntou sete estudos “padrão ouro”. Eles não viram eficácia estatisticamente significativa em estudos pós-exposição e criticaram alguns estudos nessa modalidade por terem ministrado a HCQ aos pacientes muitos dias após o contato de risco. Compararam com estudos de medicamentos para evitar a AIDS, que o prazo é contado em horas, não dias, para ter eficácia.

A meta-análise da Cochrane concluiu com a não eficácia da hidroxicloroquina. O principal estudo, com mais peso em toda a análise, foi o Recovery, representando 86,4% do total de peso estatístico. O Recovery foi feito em pacientes hospitalizados utilizando uma dose alta, de 10,000 mg de HCQ, no total do curso do tratamento, o que realmente, de fato, não funciona. Nesta dose morreram 9% mais pessoas no grupo de tratamento. Ou seja, basicamente, um único estudo, em hospitalizados e em dose alta, liderou o resultado total da meta-análise.

O estudo Cochrane foi publicado em fevereiro de 2021, e logo no começo, ainda no abstract, ao se referirem a profilaxia pré-exposição. Os autores escreveram: “Ensaios em andamento ainda estão para relatar resultados para este objetivo”. Na época, tínhamos apenas alguns estudos em profilaxia “padrão ouro”, mas apenas em profilaxia pós-exposição e não o suficiente para produzir significância estatística. Em profilaxia pré-exposição, na época, existiam apenas alguns estudos observacionais que relatavam boa eficácia.

“A metanálise da Cochrane inclui estudos que a de Harvard não inclui porque a de Harvard é só sobre profilaxia e a da Cochrane não é só sobre profilaxia”, afirmou Daniel Tausk, professor de matemática da USP – Universidade de São Paulo.

“Além do mais, a metanálise da Cochrane sequer trata de profilaxia pré-exposição porque na época em que foi feita não havia estudos para incluir. Dessa forma, nem faz sentido comparar uma metanálise com a outra”, complementou.

Mais erros e a ciência por slogans

Além de confundir quais os objetivos de cada estudo, Costa dialogou com o espectador usando frases que se assemelham com coisas científicas, mas também enganosas. Ele afirmou que os estudos incluídos na meta-análise não possuem qualidade. “Só chamar os estudos de lixo não os torna lixo. Quais são os outros que não são lixo então? Esses são todos os randomizados sobre profilaxia”, questionou Tausk.

Entre os sete estudos de profilaxia pré-exposição incluídos na conta geral estatística, Tausk, que tem feito análises aprofundadas nos estudos de medicamentos durante toda a pandemia, fez uma ressalva. “O único estudo de qualidade mais fraca é o Seet, que é aberto e cluster-randomized. Se você tirar, continua significativo no Der Simonian and Laird e quase significativo no método mais conservador. Além do mais, a estimativa de efeito está coerente com os outros”.

Costa alertou que alguns estudos da meta-análise ainda não foram publicados. “Incluir preprint é a forma correta de fazer metanálise, excluir preprint é a forma errada. Existe uma coisa chamada viés de publicação. Enviesa as estimativas de efeito. Tem que incluir tudo. O fato de não ser publicado não tem nada a ver com qualidade. Pode ser um estudo early-terminated, por exemplo, que não valia a pena publicar. Tem que incluir”, rebateu Tausk.

Costa, em sua diatribe contra o medicamento, afirmou que já existiriam estudos da hidroxicloroquina em profilaxia pré-exposição que comprovariam a não eficácia do fármaco. “Não tem ‘estudos mostrando que não funciona’, ele deve estar simplesmente confundindo falta de significância estatística com falta de efeito, ou seja, não tem noção do que está falando”, alfinetou o professor da USP.

Costa acusou que dos autores da meta-análise também é autor de um dos estudos clínicos. “Polo, tem um peso baixíssimo e, de qualquer forma, isso não tem nada demais”, concluiu Tausk.

Conclusões do MPV

1 – Leo Costa não sabe sequer ler estudos científicos e entender qual a finalidade deles. Ao mesmo tempo em que promove este erro colossal, ele se coloca, apenas repetindo slogans, como um especialista altamente capacitado.

2 – No vídeo, Costa disse que faz revisões sistemáticas. Em seu site de vendas, que conta com um imenso botão “Inscreva-se agora”, ele se propõe a dar aulas disso, mas é incapaz de entender as diferenças entre profilaxia e estudos em pacientes hospitalizados. “Devem ser uns tremendos cursos”, afirmou um membro do MPV.

3 – Nós, do MPV, entendemos a armadilha psicológica que essas pessoas criaram para elas mesmas. Com pose de defensores da ciência, fizeram uma guerra fratricida contra o medicamento. Hoje, não importa quantas evidências do mais alto nível sejam publicadas. Vão negar até com argumentos sem pé nem cabeça, incluindo confusão básica de objetivos de estudos. Assumir que existem, há muito tempo, evidências científicas, seria confessar que ajudaram a afastar pessoas de tratamentos válidos e guiaram milhares para os cemitérios.

4 – Em 2017, o cientista Thomas Frieden, nomeado diretor do CDC, órgão norteamericano, por Barack Obama, argumentou em seu artigo científico, publicado no New England Journal of Medicine, que as decisões públicas sobre tratamento não devem ser tomadas com base em RCTs. O autor comentou sobre os custos cada vez mais altos dos estudos “padrão ouro”, além da demora da execução dessas pesquisas. “Essas limitações também afetam o uso de RCTs para questões urgentes de saúde, como surtos de doenças infecciosas”, afirmou. Ou seja, o MPV que seguiu a ciência ao recomendar os medicamentos antes do estudos finais, como essa meta-análise dos pesquisadores de Harvard.

5 – O MPV fica sempre extremamente satisfeito com vídeos como o de Leo Costa, porque foi, mais uma vez, uma comprovação de que o estudo garante, mais que nunca, a eficácia da hidroxicloroquina como prevenção pré-exposição para COVID-19. A falta de argumentos verdadeiros, de quem mais queria atacar, só nos confirma que o que temos dito contém força. 

As consequências dessa guerra estúpida

Com mais de 60 anos, hidroxicloroquina é um dos medicamentos mais seguros da história da humanidade. Médicos com a capacidade de análise de risco e benefício intactas, desde o começo da pandemia, passaram a tratar pacientes mesmo com evidências ainda baixas, porque o risco deste medicamento é praticamente nulo.  Com isso, a redução de mortes pela doença promovida por esses profissionais foi altíssima.

Entretanto, na mídia e nas redes sociais, esses “especialistas” que sequer conseguem interpretar os estudos que leem, faziam coro alegando falta de uma”comprovação científica” final e definitiva, que era apenas uma questão de tempo.

Com esse suposto consenso de ineficácia criado por desqualificados que sequestraram a palavra “ciência” para eles, médicos que tratavam e salvavam vidas sofreram todo tipo de perseguição por supostamente “não seguirem a ciência”, mesmo que não tivessem óbitos entre seus pacientes. Ou seja, além de afastarem pessoas de tratamentos válidos, criaram um inferno para médicos de reputações ilibadas que ousaram salvar vidas. Muitos foram atacados cruelmente pelos jornais, que repetiam a suposta falta de evidências.

“Fui humilhada. cancelada, chamada de nazista. Você não tem ideia o que isso causou na minha vida. Eu preciso tomar antidepressivo até hoje. Eu sou uma pessoa comum, nunca fui famosa e nem nada”, afirma uma médica de São Paulo que tratou milhares de pacientes Covid e prefere não se identificar.

“Eu estava lá de boa fé ajudando pessoas e salvei todos que estavam ao meu alcance. Ainda fui humilhada em rede nacional. Ameaçaram meus filhos de morte”, afirmou indignada e emocionada, enquanto vê que os que criaram essa violência, com as mãos sujas de sangue, nem ao menos sabem ler e interpretar estudos científicos.

Fontes

Chloroquine or hydroxychloroquine for prevention and treatment of COVID‐19

Systematic review and meta-analysis of randomized trials of hydroxychloroquine for the prevention of COVID-19