Foi publicado nesta quarta-feira, 30, na NEJM – New England Journal of Medicine, a revista científica de maior fator de impacto do mundo, um estudo sobre o uso ambulatorial da ivermectina contra a COVID-19.

Em notícia publicada no portal G1, que não dá o link para a pesquisa original, está explicado assim: “o estudo mostrou que não houve diferenças nos resultados entre os pacientes que receberam a ivermectina para o grupo que recebeu placebo (substâncias que não contém ingredientes ativos)”.

Mas afinal, o que diz o estudo?

Tabela de resultados do estudo na NEJM.

No total, foram 1358 pacientes, onde 679 tomaram ivermectina e outros 679 tomaram placebo.

Entre os que tomaram ivermectina, 79 foram hospitalizados. Entre os que tomaram placebo, 95 foram hospitalizados. Portanto, no estudo, os que tomaram ivermectina tiveram uma redução de risco de serem hospitalizados em 17%.

Entre os que tomaram ivermectina, 19 precisaram ser ventilados mecanicamente. Entre os que tomaram placebo, 25 precisaram de ventilação mecânica. Portanto, no estudo, os que tomaram ivermectina tiveram uma redução de risco de 23% de necessidade desse recurso.

Entre os que tomaram ivermectina, 21 morreram. Entre os que não tomaram, 24 morreram. Portanto, no estudo, os que tomaram ivermectina tiveram um risco de morte 12% menor.

Ou seja, em todos os desfechos “duros”, que não são baseados em interpretação subjetiva, os que tomaram ivermectina se saíram melhores do que os que tomaram placebo.

Mas este estudo, isoladamente, não possui significância estatística. 

O que é significância estatística?

A melhor analogia para significância estatística é “margem de erro” nas pesquisas eleitorais. Imagine uma notícia de uma pesquisa eleitoral em uma cidade no interior, com 600 pessoas entrevistadas.

“O candidato João possui 50% das intenções de voto. A candidata Maria possui 40% das intenções de voto. A margem de erro é de 5 pontos percentuais. Ambos estão tecnicamente empatados dentro da margem de erro e podem estar com 45% cada um”, diz o jornalista.

Entretanto, se a amostragem é maior, como em pesquisas presidenciais, com 2 ou 4 mil eleitores entrevistados, as margens de erro reduzem e pode-se afirmar quem está liderando. “O candidato João lidera a pesquisa eleitoral”, diz a notícia.

Como interpretar este estudo?

Este estudo, sozinho, mostra uma tendência da ivermectina à eficácia. Ele, como única evidência, não comprovaria a ivermectina, porque os que tomaram o medicamento se saíram melhor, mas o resultado pode ter sido “ao acaso”, dentro da margem de erro padrão de estudos médicos.

Se este fosse o único estudo da ivermectina até hoje, possivelmente valeria a pena esperar por mais estudos antes de prescrever aos pacientes.

Entretanto, esse estudo representa mais uma evidência que se soma a outras para serem analisadas em conjunto. Em outro estudo recente, publicado em 18 de fevereiro no periódico Jama, houve a mesma situação: os pacientes da ivermectina se saíram melhor do que os pacientes do placebo “ao acaso”, dentro da margem de erro.

Neste estudo da Jama, o risco de morte foi reduzido em 69.0%. Morreram 3 de 241 no grupo ivermectina e 10 de 249 no grupo controle do placebo. Outros desfechos importantes também foram positivos para os tratados: 59% menor risco de ventilação mecânica e 22% menor risco de ser admitido em uma UTI.

Isso soma-se a outras evidências, como outro estudo, publicado também na Jama, em março de 2021. Nele, os que tomaram ivermectina também se saíram melhor “ao acaso”. Nenhum óbito entre os 200 que tomaram ivermectina, e um óbito entre os 198 que não tomaram.

Somente esses três estudos, que somados apresentam 24 óbitos de um total de 1.120 pacientes que usaram ivermectina (2.14%) e 35 óbitos de um total de 1.126 pacientes que tomaram placebo (3,10%), observa-se uma redução de 31,1% na taxa de mortalidade, com p=0,15, ou seja, para falar de modo simplificado, aproximadamente 15% de chance somente de ser ao acaso, o que muitos estatísticos já consideram marginalmente significante. 

Voltando para a analogia da margem de erro

O candidato que você apoia está com 40% de intenções de voto na pesquisa eleitoral e o que você não apoia está com 50%. A margem de erro é de 5%. Eles estão tecnicamente empatados em 45%. Você sabe que a eleição está um pouco difícil, mas sabe que há margem de erro na pesquisa.

Mas se no mesmo dia saem mais duas pesquisas onde seu candidato aparece novamente com 40% e o que você não deseja com 50%, a chance de coincidência é muito menor. É hora de intensificar a campanha e não ficar tranquilo, achando que há uma vitória garantida.

Este estudo é bom para meta-análises

Meta-análises são estudos que juntam diversos estudos semelhantes. Por exemplo: faz uma análise de todos os estudos da ivermectina em tratamento precoce, ou em profilaxia, ou todos os estudos em tratamentos de hospitalizados.

São estudos que analisam os mesmos desfechos, como necessidades de hospitalizações, necessidades de ventilação mecânica, ou morte. Quando aumenta a quantidade de desfechos, reduz-se as possibilidades de serem resultados positivos “ao acaso”.

“Se você aumenta o número de variáveis avaliadas, e as direções de efeito dessas variáveis, ainda que não derem significância estatística, mas que, em conjunto,  assumem uma determinada direção, isso eventualmente pode ajudar a reduzir um pouco a incerteza (ou ao menos não refutar de pronto uma hipótese), quando se analisa o real efeito, como é o caso”, afirmou Regis Andriolo, professor de Medicina Baseada em Evidências na Universidade Estadual do Pará e especialista em meta-análises, com diversas revisões publicadas.

Exemplo de meta-análises e “margens de erro”

Exemplo de meta-análise com estudos semelhantes aos da ivermectina.

Dr Regis Andriolo nos enviou esse exemplo ilustrativo. É uma meta-análise sobre PPNI – pressão positiva não invasiva. Os pontos no meio dos traços são as medidas de cada estudo. Os traços que vão para a esquerda e para a direita, são as “margens de erro”.   A linha ao centro é o valor zero. Se estiver à esquerda, é a tendência de eficácia, se estiver à direita, é tendência de ineficácia.

Repare que a grande maioria dos estudos não deu resultado positivo além da margem de erro. Não foram estatisticamente significativos e isso está descrito em cada estudo, tidos, cada um deles, como “ineficaz”. Inclusive, um deles mostra tendência a favorecer o grupo controle.

Repare o “total”, o último item da tabela. No conjunto, favorece além da margem de erro.

Este é o caso exatamente semelhante aos estudos RCT da ivermectina em tratamento precoce. É algo comum na medicina.

Para comparar, o estudo da vacina da Pfizer

Para entender um possível duplo padrão entre como lidar com tratamentos baratos, genéricos e sem patentes, como a ivermectina, e sobre vacinas, vamos ao exemplo do estudo do resultado de 6 meses da vacina da Pfizer, publicado em setembro de 2021, também na NEJM.

Nos suplementos (p11), podemos ver mais detalhes. Entre as 21,926 pessoas que tomaram a vacina, uma morreu de COVID-19. Entre as 21,921 que tomaram placebo, duas pessoas morreram de COVID-19.

É um estudo “padrão ouro”, como os três estudos da ivermectina mencionados aqui. Por serem poucos eventos de mortes, apenas três no total, também não há significância estatística neste desfecho. Ou seja, se for para os jornais e divulgadores de ciência falarem que estes estudos da ivermectina não reduzem morte, seguindo o mesmo padrão da significância estatística, eles não poderiam afirmar que a vacina da Pfizer reduz mortes, afinal, neste estudo, o principal “padrão ouro’, isso não foi comprovado.

De qualquer forma, este estudo da ivermectina na NEJM mostrou baixa efetividade

Foi uma redução de 12% no risco de morrer, 17% de redução no risco de hospitalizações e risco 23% menor de precisar de ventilação mecânica.

Como diversos médicos que tratam pacientes já previam, este estudo específico mostraria realmente uma eficácia menor. Isso porque o estudo ocorreu exatamente durante uma troca de variante, onde o Brasil, por azar, teve a mais letal de todas: a variante amazonense chamada Gamma, que depois foi substituída pela Delta, menos letal, e agora a Omicron.

Essa variante foi descrita pelos médicos que a tratavam como “um pesadelo”. E entre esses médicos, uma unanimidade consensual: nunca um único medicamento no protocolo, mas sim um cocktail de medicamentos.

O que precisa ficar bem claro é que estudos RCTs (randomizados, controlados por placebo) de medicamentos em monoterapia são estudos conceituais, com medicamentos que farão parte de cocktails com diversos outros medicamentos, cada um trazendo um pouco de eficácia contra a COVID-19.

Por exemplo, o protocolo do FLCCC – Front Line COVID-19 Critical Care Alliance, grupo norteamericano equivalente ao MPV – Médicos pela Vida, em seu protocolo para tratamento precoce, a ivermectina é apenas um dos medicamentos do cocktail básico. Além da ivermectina, são incluídas a vitamina C, vitamina D, quercetina, Iodopovidona, entre outras providências. No caso de má resposta aos sintomas, prevê a inclusão de mais medicamentos, como fluvoxamina e dutasterida.

Mas voltando ao novo estudo na NEJM

De qualquer forma, a comunidade científica brasileira e internacional já identificou diversas inconsistências no artigo, e isso muito provavelmente vai gerar cartas aos editores e correções na publicação do periódico.

Um dos problemas desse estudo é a troca de variantes no decorrer da pesquisa. Foram feitos diversos estudos de monoterapia com medicamentos diferentes. Os recrutamentos para o placebo foram em datas anteriores, quando era a cepa original da COVID, menos letal. “Eles não detalharam as datas de recrutamento para placebo e ivermectina, que é extremamente importante, dadas as mudanças nas variantes ao longo do tempo, em nenhum lugar”, afirmou o Dr Flavio Cadegiani. “O ideal seria excluir os pacientes recrutados antes do início do recrutamento para 03 dias de tratamento com ivermectina. Daí sim, poderemos dizer que ambos grupos foram avaliados durante a predominância da mesma variante”.

Há mais incosistências. “Na página 22 do suplemento, o grupo da ivermectina teve menos efeitos gastrointestinais do que o placebo. Isso é impossível de acontecer. Curiosamente, eles não especificaram sintoma por sintoma. Além disso, na época havia somente um fabricante de ivermectina, que nega ter fornecido ivermectina e comprimidos placebo idênticos aos da ivermectina”, acrescentou Cadegiani. 

Contudo, Cadegiani ressalta que o mais estranho foi um estudo com tantas falhas nas descrições ter sido publicado na NEJM: “Interessante que o NEJM não solicitou quantas pessoas foram recrutadas por local de pesquisa, as datas exatas de recrutamento, quem era o comitê de monitoramento de dados (DSMB), nada disso. Enquanto isso, exigem isso e muito mais de algum estudo com resultado positivo que não seja de grandes indústrias.”.

“São pouquíssimas as dúvidas sobre o tratamento direcionado com claros objetivos de grande parte dos grandes periódicos internacionais. Somente uma pessoa com limitações cognitivas ou morais finge que isso não está acontecendo”. 

Confusão no número de óbitos

Outro erro grave, que chega ser estranho para um estudo tenha sido revisado por pares, é que a Tabela 3 mostra 21 e 24 óbitos, enquanto a Tabela S6, no suplemento, mostra 20 e 25, com uma efetividade maior.

Um índice com diversas observações técnicas pode ser lido aqui.

E faltaram dados de pacientes no meio da pesquisa

Resultados com inconsistências graves nos números.

Nas análises de subgrupo publicadas, há pacientes que iniciaram o tratamento entre 0 e 3 dias e entre 4 e 7 dias de sintomas. São os últimos itens da tabela.

Na ivermectina, esta tabela indica que 282 iniciaram entre 0 e 3 dias de sintomas. E 242 iniciaram entre 4 e 7. A soma não dá 679. Faltam dados de 155 pacientes. No placebo faltam de 162.

Ao que parece, faltam dados de tempo de sintomas de mais de 300 pacientes, mas ao mesmo tempo, o limite de sete dias de sintomas era necessário para inclusão.

“Dentre os pacientes para os quais não há dados sobre tempo de sintomas, 16 de 155 tiveram um desfecho ruim no grupo tratado e 33 de 162 tiveram um desfecho ruim no grupo placebo, ou seja, nesse subgrupo com dados faltantes a ivermectina teve uma eficácia de 49.3%. Assim, os pacientes para os quais faltam dados sobre tempo de sintomas são justamente pacientes para os quais a ivermectina funcionou muito bem, o que invalida totalmente a análise de eficácia nos subgrupos com menor ou maior tempo de sintomas”, afirmou Daniel Tausk, matemático e professor da USP que tem se dedicado a estudar as estatísticas dos estudos de tratamentos durante a pandemia.

Erros na notícia no G1

“Os pesquisadores verificaram se os participantes do estudo não tinham histórico de uso de ivermectina para o tratamento de Covid-19 por meio de uma extensa triagem”, isso é uma informação produzida por um jornalista amador.

Não houve esse ponto de exclusão, o que é preocupante, porque durante a época houve um aumento significativo de vendas de ivermectina no estado. Portanto, mesmo no grupo placebo, muita gente pode ter tomado o medicamento, o que reduz o contraste.

Curiosidades

O autor principal do estudo é o Dr Gilmar Reis, professor de medicina na PUC – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Além desse estudo, onde os pacientes que receberam ivermectina se saíram melhor do que os que receberam placebo, mas que o estudo sozinho não possui significância estatística, ele é autor de um estudo com fluvoxamina publicado em agosto de 2021 na Lancet.

Neste estudo da fluvoxamina, um medicamento também genérico, barato e sem patentes, houve 90% de redução das mortes entre os que tomaram o remédio contra a COVID-19. Além disso, o estudo possui significância estatística por si só, sem precisar juntar com outros para uma meta-análise conclusiva.

Entre os “divulgadores científicos” e médicos “influencers”, além de entidades, há apenas críticas sobre o estudo da fluvoxamina, que é positivo sozinho, ou o silêncio absoluto. Afirmam que não foi bem feito, que não é rigoroso.

“Você que ainda defende ivermectina, do que você precisa para mudar de ideia?”, perguntou Átila Iamarino em seu twitter, para mais de um milhão de seguidores, ao postar esse estudo da NEJM. 

Ou seja, para estudos positivos do Dr Gilmar, críticas pesadas ou o silêncio, nenhuma recomendação positiva para salvar vidas. Para o estudo sem significância estatística, nenhuma crítica. É recebido como verdade absoluta e “pá de cal”, como afirmou o médico Bruno Filardi em seu twitter para 65 mil seguidores.

Ambos conhecem pouco de ciência, e nenhuma ideia de como funciona uma meta-análise.

Conclusões

O estudo celebrado como “ineficaz”, na verdade, é positivo para a ivermectina, mas sem significância estatística sozinho, e se soma a um conjunto cada vez maior, mais do que o suficiente, de evidências positivas do medicamento contra a COVID-19.

Os que celebram com um “acabou”, “pá de cal”, nos parecem muito mais falando com eles mesmos, tentando limpar suas consciências por terem lutado contra e afastado pessoas de tratamentos de uma doença mortal, do que qualquer outra coisa. Ciência, definitivamente, não é. Ao que parece, estão tentando fazer com que o assunto desapareça, como crianças que não dormem a noite por medo de fantasmas. Não há outra justificativa para comportamento tão aberrante e distante do objetivo de salvar vidas.

De fato, este estudo da ivermectina na NEJM possui algumas inconsistências que vão gerar correções e cartas ao editor, mas os resultados e porcentagens de efetividade geral medida, por ser monoterapia, não devem mudar substancialmente, principalmente na variante Gamma. No entanto, ambos os estudos do Dr Gilmar Reis são bons, com limitações comuns existentes em todos os estudos.

Para finalizar, nós, do MPV, além da ivermectina, também recomendamos fluvoxamina no combate à pandemia. Ambos podem ser usados em conjunto maximizando os efeitos, como no protocolo excelente do FLCCC, que disponibiliza sua versão em português.