Uma tragédia chocou o país e não teve a notoriedade que merecia, mas isso não diminui a importância do fato. O cirurgião piauiense Eduardo Melo se suicidou após sofrer um inquérito por suposto erro médico. Pouco depois de prestar depoimento na delegacia e após ler a matéria jornalística sensacionalista que o retratava como homicida culposo (quando não há intenção de matar) o cirurgião pediátrico tirou a própria vida.

A razão de tudo isso foi o julgamento sumário, após essa publicação que o retratou como único responsável pela morte de uma criança renal crônica que não sobreviveu a uma complicação por punção de tórax. A punção motivada para colocação de um cateter de diálise, ao atingir uma artéria, causou complicações e a criança não resistiu.

O primeiro esclarecimento que se impõe no caso é: diferenciar o erro médico de iatrogenia. Enquanto o erro médico tem a conotação de imperícia, imprudência ou negligência, a iatrogenia por sua vez é uma ocorrência inerente aos procedimentos médicos, principalmente os cirúrgicos. O Dr. Eduardo tinha uma qualificação acima da média e era considerado excelente cirurgião pediátrico por seus pares, fato omitido pela reportagem maldosa e sensacionalista.

Além disso, nenhum profissional de saúde tem o poder de oferecer risco zero de complicações pós-procedimentos, inclusive é algo vedado por lei. O procedimento realizado pelo Dr Eduardo era difícil para qualquer médico experiente, mas a matéria sentenciosa culminou no assassinato da sua reputação, e em seguida, o não suportar a injusta excreção pública causou tragicamente o fim precoce da sua própria vida.

A família perdeu o pai, o filho, o marido e uma referência familiar. E a sociedade perdeu um profissional excepcional de uma especialidade com tão poucos membros que poderia ter vindo a manter e a salvar quantas outras vidas mais?

Nessa história, percebe-se um silêncio ensurdecedor das instituições médicas, exceto por uma ou duas notas de repúdio-padrão de pouca efetividade. Não ocorreu, por parte dos médicos, uma comoção à altura do fato, com honrosas exceções de colegas de trabalho. Tudo isso mostra que a atividade médica se encontra no limiar de um precipício, bastando um empurrãozinho para espatifar de vez.

O jornalismo também vive uma fase de pouquíssima credibilidade e aqueles que apostam no furo de reportagem desprovido da necessária responsabilidade social, dessa vez, não imaginavam que o “troféu” custaria a vida de um médico. Se a preocupação da matéria era o desfecho ruim para a criança que antes do procedimento já era grave, o que dizer desse resultado?

Um médico com serviços relevantes prestados durante toda a sua vida, agora abreviada tragicamente por um tablóide sensacionalista. Valeu a pena? A medicina cobra do médico resultados, mas será que ele se tornou apenas uma peça descartável nessa engrenagem implacável de apontamento de dedos? O episódio traz à tona preocupações que deveriam servir de alerta para toda a classe médica brasileira que se equilibra no fio da navalha, sendo cada vez mais cobrada por resultados em condições de trabalho cada vez piores.

A medicina tem sido usada enviesadamente por atores políticos questionáveis e pela imprensa ativista, e o médico como bode expiatório, sendo responsabilizado e muitas vezes lhe sendo negado o natural direito de defesa. 

Em um curto período de heroísmo na pandemia da covid19 sobraram narrativas que sustentam perseguições contra os que ousaram desafiar o status quo, em especial os que usando de prerrogativas que lhes são garantidas por tratados internacionais sobre autonomia para exercício seguro da profissão, prescreveram fármacos consagrados de uso off label, compassivo, em tratamento imediato. 

Soma-se a isso o fato da imprensa brasileira, predominantemente o outrora consórcio, chegou a ponto de acreditar que poderia pautar a medicina e os tratamentos médicos, inclusive dizer quais especialidades médicas deveriam ser abandonadas por falta de credibilidade científica. Um desrespeito inominável ao profissional médico que foi achincalhado pelos jornalistas militantes.

Nesse padrão distorcido da realidade, o caso do Dr Eduardo quebra o silêncio e revela o risco que um médico, mesmo bem formado e preparado gozando de boa reputação, vive no exercício da profissão. É de se lamentar que esta tragédia não tenha sido até aqui capaz de mobilizar a categoria em defesa de justiça. O momento da medicina brasileira é fúnebre e carece de reação.

O Brasil vive momentos de inversão de valores, na sociedade há um clamor por aumento na produção de médicos a qualquer custo, como se isso fosse a solução dos problemas crônicos da saúde. Se essa política for realmente efetivada, os casos de erros médicos tendem a aumentar, inclusive os erros crassos. Muito diferente da fatalidade em questão. A sociedade brasileira estará preparada para os impactos desse ambiente desequilibrado entre quantidade e qualidade?

Este grito de socorro encerra uma preocupação estratégica a ser respondida por todos e por cada um: Para onde caminha a medicina brasileira?

Que o sacrifício do Dr. Eduardo em autoimolação não tenha sido em vão, mas um fato muito triste em uma encruzilhada que possa despertar para o que está acontecendo.

O grupo Médicos Pela Vida lamenta a morte do cirurgião e pede mudança de atitude dos colegas, das entidades e da sociedade que não podem ficar inertes diante da tragédia.

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