Em artigo revisado por pares e publicado no periódico BMJ Global Health por pesquisadores dos Estados Unidos, Reino Unido e Canadá, são discutidas possíveis consequências das políticas adotadas a respeito da vacinação para a COVID-19 nos níveis: comportamental, psicológico, político, do direito, socioeconômico, e da integridade da ciência e da saúde pública.
“Embora as vacinas atuais pareçam ter tido um impacto significativo na diminuição da morbidade e mortalidade relacionadas ao COVID-19, argumentamos que as atuais políticas de vacinas obrigatórias são cientificamente questionáveis e provavelmente causarão mais danos à sociedade do que benefícios”, afirmaram os autores.
Restringir o acesso das pessoas ao trabalho, educação, transporte público e vida social com base no status vacinal de COVID-19 viola os direitos humanos, promove a estigmatização e a polarização social, e afeta a saúde e o bem-estar das pessoas. As políticas atuais podem levar a um aumento das desigualdades na saúde e na economia, ter impactos negativos de longo prazo na confiança no governo e instituições científicas, e reduzir a aceitação de futuras medidas de saúde pública em geral.
O raciocínio científico considerado para as políticas de vacinas obrigatórias tem sido cada vez mais questionado devido à diminuição da imunidade esterilizante e novas variantes do vírus. Há cada vez mais evidências mostrando uma diminuição significativa da eficácia contra infecção (e transmissão) depois de 12-16 semanas da vacinação, com ambas as variantes Delta e Omicron, inclusive com a terceira dose. Desde os primeiros relatos sobre a transmissão pós-vacinação em meados de 2021, ficou claro que as taxas de transmissão pelos indivíduos vacinados e não vacinados, quando infectados, são semelhantes. Adicionalmente, a eficácia da vacina também pode ser menor nas faixas etárias mais jovens, alvos dos mandatos e passaportes vacinais, e nas quais uma infecção prévia fornece, a grosso modo, benefício comparável ao das vacinas.
Portanto, a eficácia dos mandatos de vacinas em reduzir a transmissão provavelmente será menor do que muitos poderiam ter esperado, e diminuir com o tempo. Essas questões têm sido amplamente discutidas na arena pública, levantando a ideia de que muitas políticas vacinais atuais não estão mais sendo guiadas pelas evidências científicas, mas estão sendo usadas para punir indivíduos que permanecem não vacinados, para moldar a opinião pública e forçar o cumprimento das políticas impostas. Os autores exemplificam isso com o caso da obrigatoriedade de uma terceira dose imposta para estudantes universitários nos Estados Unidos, apesar da falta de evidência de benefício clínico substancial e a evidência de risco pequeno, mas ainda significativo, de miocardite associada a cada dose.
Parece haver uma distorção e falta razoabilidade na avaliação do risco de alguns indivíduos pró-obrigatoriedade vacinal, que agora temem que as pessoas não vacinadas são “inseguras” – fisicamente, mas também culturalmente – apesar das evidências científicas, destacam os autores do artigo. Polarização política e radicalização (ambos anti e pró-obrigatoriedade vacinal) aumentarão se as políticas punitivas de vacinas continuarem. É bem provável que os efeitos de reatividade gerados frente às atuais políticas de vacinação aumentaram a visão de que a saúde pública é influenciada por poderosas forças sociopolíticas que atuam no interesse privado, o que pode prejudicar a futura confiança social na resposta à pandemia e nos sistemas de saúde.
Outro ponto discutido, dentre as possíveis consequências psicológicas das políticas de vacinação atuais, é a dissonância cognitiva – estresse psicológico precipitado pela percepção de informações contraditórias: “A dissonância cognitiva pode ter sido agravada pela mudança de lógica fornecida para as políticas de mandatos de vacinas, que originalmente se concentravam em obter imunidade de rebanho para interromper a transmissão viral e incluíam mensagens públicas de que as pessoas vacinadas não podiam obter ou espalhar a COVID-19. As políticas muitas vezes careciam de comunicação clara, justificativa e transparência, contribuindo para ambiguidades persistentes e preocupações públicas sobre sua lógica e proporcionalidade.” Além disso, comentam os autores: “No final de 2021, no entanto, a reintrodução de grandes intervenções não farmacêuticas em países com mandatos e passaportes perpetuou a dissonância cognitiva, uma vez que os governos haviam feito promessas de que a vacinação garantiria um ‘retorno à normalidade’ e muitas pessoas (especialmente os mais jovens) se vacinaram com base nesses anúncios.”
No espectro do direito, os autores também pontuam que: “Mandatos que impõem a vacinação incondicional, aqueles ignorando o papel da infecção anterior, e aqueles que ignoram uma mudança no equilíbrio entre risco e benefício dependendo das populações, devem ser considerados suspeitos do ponto de vista da perspectiva de proporcionalidade legal. A obrigatoriedade de vacinação é uma das mais poderosas intervenções em saúde pública e deve ser usada com moderação e cuidado para manter normas éticas e a confiança nas instituições.”
Por fim, os pesquisadores concluem: “Nós argumentamos que as atuais políticas de vacinação para COVID-19 devem ser reavaliadas à luz das consequências negativas delineadas. Alavancar estratégias de capacitação baseadas na confiança e consulta pública, e melhorar os serviços de saúde e infraestrutura representam uma abordagem mais sustentável para otimizar os programas de vacinação para COVID-19 e a saúde e o bem-estar da população.”