Com declarações exclusivas dos cientistas, entenda como foi o estudo em Itajaí, Santa Catarina, e porque o SUS – Sistema Único de Saúde, foi essencial para a produção do maior estudo do mundo com IVM.

Durante o fim de semana, após revisão dos dados por três grupos independentes de cientistas, foi confirmada a eficácia de 68% da ivermectina preventiva contra mortes causadas pela COVID-19. Os resultados finais do estudo com o medicamento genérico, barato e sem patentes, foram publicados no prestigiado periódico científico Cureus, sediado em São Francisco, EUA, e com filial em Munique, na Alemanha. 

A Cureus possui dois editores chefes conceituados no meio científico: o Dr John Adler Jr, professor emérito de Neurocirurgia e Oncologia de Radiação na Universidade de Stanford, na Califórnia, e o Dr Alexander Muacevic, diretor médico do Centro Europeu de Radiocirurgia em Munique e professor dos Hospitais da Universidade de Munique. 

A pesquisa médica ocorreu em Itajaí, cidade portuária de Santa Catarina, na região Sul do Brasil, entre julho e dezembro de 2020. A cientista líder do estudo é a médica brasileira Lucy Kerr. Outros cientistas de peso colaboraram com o artigo científico e assinam juntos a pesquisa. Entre eles estão Jennifer Hibberd, da Universidade de Toronto, no Canadá, Fernando Baldi, professor na Universidade Estadual de São Paulo (UNESP), o Dr Pierre Kory, professor de medicina norteamericano e um dos maiores especialistas do mundo em cuidados intensivos, entre diversos outros.

O maior estudo do mundo com ivermectina só ocorreu devido à excelência do SUS

UBS – Unidade Básica de Saúde Promonar foi um dos diversos pontos de saúde usados para distribuir ivermectina, registrar dados de comorbidades, de doenças anteriores, fazer testes de COVID e atender a população de Itajaí durante o estudo. Foto: Google Street View.

O estudo só foi possível graças à excelência do sistema público brasileiro de saúde. “O funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) como suporte integral à saúde de toda a população permitiu que o município estabelecesse um programa populacional”, explicaram os cientistas no estudo.

Apenas pessoas com mais de 18 anos participaram. “Crianças foram excluídas. E também as pessoas que já tiveram COVID anteriormente”, explicou Lucy Kerr. 

Assim, dos 223.128 cidadãos de Itajaí considerados para o estudo, um total de 159.561 indivíduos foram incluídos na análise: 113.845 (71,3%) usuários de ivermectina e 45.716 (28,7%) não usuários.

O medicamento foi oferecido pela prefeitura do município para todos os cidadãos e participaram apenas os munícipes que desejaram. “As preferências dos pacientes e a autonomia médica foram preservadas​”, explicaram os cientistas.

Os profissionais do SUS em Itajaí acompanharam e registraram os dados tanto dos pacientes que tomaram a ivermectina como dos que não tomaram os medicamentos. “Toda a cidade tinha cadastro digital no SUS e ele foi sendo atualizado com as novas consultas à medida que as pessoas iam buscar a medicação”, afirmou Kerr.

A cientista elogia os profissionais de saúde de Itajaí. “Todos eles colaboraram muito, mas muito mesmo”, afirmou Dra. Lucy. “Não eram apenas dados se tomou ou não tomou. Também tinha o conhecimento de todas as comorbidades e doenças prévias das pessoas. Se tinha asma, diabetes, câncer”.

“Não sei se isso seria possível em outros países, uma vez que o Brasil, pelo SUS, é um dos países mais digitalizados, e com dados precisos, no sistema de saúde”, afirmou o Dr Flávio Cadegiani, um dos cientistas envolvidos na análise dos dados.

Resultado: redução de 44% na chance de pegar COVID-19, conclui o estudo

O estudo foi publicado no periódico Cureus (fonte)

Entre todos os cidadãos com mais de 18 anos e sem histórico de COVID, 113.845 se voluntariaram para tomar Ivermectina a cada duas semanas. Entre os que não se voluntariaram, foram 45.716 pessoas. 

Nos seis meses seguintes, entre os que tomavam ivermectina, 3,7% foram infectados pelo vírus. Entre os não usuários, 6,6%. Houve uma redução, portanto, de 44% na chance de ser infectado pelo Sars-Cov-2, o vírus causador da COVID-19.

Depois de infectado, redução de 56% na chance de ser hospitalizado

Entre os 113.845 que tomaram ivermectina, 4.197 tiveram Covid. Entre os 45.716 que não tomaram, 3.034 tiveram Covid.

No estudo, a partir deste ponto, houve uma técnica avançada de estatística, chamada Propensity Score Matching, onde foram balanceados dois grupos de forma que ficassem semelhantes em relação a idade e fatores de risco, como doenças anteriores e sexo. Assim foram pareados e comparados 3.034 cidadãos usuários de ivermectina com outros 3.034 não usuários.

A taxa de hospitalização entre os usuários do medicamento preventivo foi de 1,6%. Entre os não usuários, foi de 3,3%. Portanto, a ivermectina reduziu as necessidades de hospitalizações em 56%.

Redução de mortalidade de 68% entre os usuários de ivermectina

Entre os 3.034 com COVID não usuários de ivermectina preventiva, 79 pessoas (2,6%), acabaram falecendo. Entre os 3.034 do grupo comparativo, usuários de ivermectina, 25 pessoas (0,8%) faleceram. Houve, portanto, uma redução de 68% na mortalidade.

“Não houve tratamento precoce estabelecido pelo município, portanto não houve interferência no estudo em relação a hospitalização e morte. É só o efeito da profilaxia. Com tratamento depois de infectados, os números tendem a melhorar”, afirma o Dr Flavio Cadegiani.

“A técnica estatística utilizada, o PSM, permite afirmar que o estudo tem o poder próximo a um estudo clínico randomizado”, complementou.

Como se deu a revisão por pares

A revisão por pares, quando outros cientistas revisam e atestam a qualidade científica de artigos, é um processo essencial da ciência. No caso deste estudo, três grupos independentes tiveram acesso a todos os dados e ao manuscrito. Na sequência eles mantiveram contato, de forma anônima, pelo sistema de comunicação do periódico Cureus, com os autores. Cada grupo de revisores foi classificado com uma letra do alfabeto grego: Alpha, Beta e Gamma.

“Além da revisão por pares, o estudo passa por três etapas editoriais. E todas as três precisam aceitar o trabalho. No nosso caso, devido a relevância do estudo, não tivemos nem a oportunidade de indicar revisores. Todos foram completamente independetes”, afirma o Dr Flávio Cadegiani.

Dados transparentes e disponíveis para a comunidade científica

Foto Aérea de Itajaí. Foto de Eduardo Marquetti, sob licença Creative Commons, publicado na Wikipedia.

“O estado de saúde foi avaliado e os dados foram inseridos prospectivamente durante todo o período do programa, em sistema totalmente digitalizado disponibilizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS)”, afirmaram os cientistas no estudo.

“Como o sistema existia antes da pandemia, uma parcela significativa da população já estava cadastrada com suas informações de saúde, incluindo doenças passadas e atuais, uso de medicamentos e outras características”, complementaram.

Em breve, em cerca de duas semanas, com o objetivo de total transparência com a comunidade nacional e internacional, os dados brutos extraídos do sistema SUS de Itajaí, contendo todas as características dos munícipes, preservando as identidades, serão disponibilizados. Os dados estarão disponíveis publicamente em uma plataforma. O endereço eletrônico será anunciado no blog da revista Cureus.

“Ao contrário dos estudos com vacinas e medicamentos patenteados, trata-se de uma oportunidade única na pandemia em que cientistas do mundo inteiro poderão analisar os dados. Ao nosso conhecimento isso é inédito para um estudo deste patamar e importância na Covid-19”, afirmou Cadegiani.

Isso foi uma decisão da equipe que produziu o estudo. Ocorre ao mesmo tempo que um editorial do BMJ (British Medical Journal), um dos periódicos de medicina mais conceituados do mundo, publicado ontem, conclama que todos os dados brutos das vacinas e novos tratamentos para COVID sejam tornados públicos.

Dados oficiais do boletim epidemiológico confirmam a queda da mortalidade em toda Itajaí

Dos mais de 220 mil habitantes de Itajaí, apenas pouco mais 114 mil se voluntariaram a usar ivermectina a cada duas semanas. Mesmo assim, o impacto sobre toda a cidade foi bastante significativo, comparado com as outras cidades do estado.

Uma das tabelas de resultados do estudo mostra uma queda dramática de mortalidade antes e durante o estudo, mesmo com boa parte não usando o medicamento. As mortes caíram de 3,5% dos infectados para 1,4%.

“A confirmação mais básica que pode existir deste resultado todo é fazer uma análise sobre todos os boletins epidemiológicos do estado de Santa Catarina. A diferença entre hospitalizações e mortalidade, antes e durante o programa com ivermectina, foi gritante. Qualquer um pode conferir isso a qualquer hora com números oficiais”, afirma Cadegiani.

Doses usadas

Foi oferecida a ivermectina em doses quinzenais de 0.2mg por kg por dia, por dois dias. Ou seja, uma pessoa que pesa entre 60 e 90 kg, tomou, a cada duas semanas, 3 comprimidos de ivermectina por dia, por dois dias consecutivos. Se o peso fosse maior que 90 kg, foram oferecidos 4 comprimidos ao dia por dois dias consecutivos. 

“Acredito que os resultados poderiam ser ainda melhores se o uso fosse semanal, na mesma quantidade, mantendo o mesmo nível inquestionável de segurança”, explicou Cadegiani.

Outros possíveis usos da ivermectina

Além de não terem identificado efeitos colaterais relevantes do uso da ivermectina na cidade toda, os cientistas escreveram sobre dados promissores encontrados: “O uso profilático de ivermectina parece mitigar o risco adicional de morte por COVID-19 devido a DM2, hipertensão e doenças cardiovasculares”, escreveram no estudo.

O Dr Flavio Cadegiani, um dos autores, está animado com a possibilidade de outros usos do medicamento, além da COVID-19. “Dados preliminares nos surpreenderam. Ajudou para as questões hepáticas, renais e inflamatórias. Ou seja, a ivermectina pode ajudar a reduzir gordura no fígado, problemas renais, impedir doenças inflamatórias, além de outros potenciais benefícios metabólicos. Pode funcionar no controle do colesterol e  diabetes”, afirma. “Seria um crime não estudar para essas doenças”, exclamou.

Imprensa atacou a ação, mas houve boa recepção entre os cidadãos

A ação profilática da ivermectina contra a COVID foi proposta pelo Dr Volnei Morastoni, médico e prefeito da cidade de Itajaí. Logo na sequência, ele passou a ser atacado.

Entre as diversas agressões na época, Dr Volnei foi chamado de “benzedeiro”  por um jornal da região, o NCS total.  No jornal O Estado de S. Paulo, um dos mais importantes do país, a bióloga Natália Pasternak escreveu um artigo com o seguinte título: “Análise: caso de Itajaí mostra como combate à pandemia é marcado por negacionismo da ciência“. 

“O prefeito de Itajaí parece construir políticas públicas de saúde com base em modismos de rede social e teorias de conspiração”, afirmou no artigo. Em seu twitter, ela classificou a ação concluída agora como eficaz de “loucura de Itajaí”.

Entretanto, mesmo na época, a população já desconfiava da agressividade excessiva da imprensa. O resultado positivo foi sentido pela população durante a ação e eles deram a resposta nas urnas. Em outubro de 2020, Marastoni foi reeleito prefeito da cidade para mais um mandato de quatro anos.

Até agora, quatro dias depois da revisão internacional confirmando que vidas foram salvas, não houve nenhum pedido de desculpas ao prefeito pelas ofensas. “O negacionismo partiu exatamente em quem se colovava como defensor da ciência. Trata-se de um grande exemplo da catástrofe que ocorre quando ciência e paixões políticas se misturam”, afirma Cadegiani.

“Quantas vidas estariam aqui hoje se não fossem os ataques desprovidos de lógica argumentos válidos?”, questiona. “A vaidade jamais permitirá que as pessoas voltem atrás. Seria confessar que mataram em nome de uma falsa ciência”.

“É importante deixar claro que eu não acreditava na eficácia da ivermectina como preventivo. Isso não significa dizer que eu era contra o uso, porque, afinal, qualquer cientista com o mínimo humanidade, sabendo que não havia alternativas teurapêuticas e o medicamento é mais seguro que qualquer remédio que usamos para dor de cabeça, eu jamais difamaria ou contraindicaria em uma pandemia de pessoas intubadas”, afirmou Cadegiani. “Eu errei na minha aposta de ineficácia e assumo. Isso é ciência”.

Jornalistas e divulgadores científicos erraram em tudo, até na especulação de que a ivermectina afrouxaria outras medidas

Na época, jornalistas e divulgadores científicos apostaram que o uso do medicamento acarretaria o afrouxamento de outras medidas para conter a pandemia. “A narrativa de que o uso de terapias preventivas e de tratamento precoce fará com que as pessoas relaxem sua cautela de permanecer social e fisicamente distanciadas para permitir mais infecções relacionadas ao COVID-19 não é apoiada aqui”, concluíram os cientistas no estudo.

“Os dados deste estudo demonstram que o uso de ivermectina preventiva reduz significativamente a taxa de infecção e que os benefícios superam o aumento do risco especulado de mudanças nos comportamentos sociais”, complementaram.

Outros estudos sobre os mesmos dados de Itajaí sairão em breve

Este estudo teve o objetivo de avaliar o impacto de todo o programa preventivo na cidade durante cinco meses. Entretanto, muitos moradores que começaram com a ivermectina, interromperam após algum tempo de uso e não completaram os cinco meses.

Agora, em uma fase dois de análise dos dados coletados pelo SUS, estão sendo feitos os cálculos de eficácia apenas nos moradores que mantiveram o uso do medicamento pelos cinco meses inteiros. “A princípio, olhando os dados, quem usou mais de 75% das doses teve zero mortes. É surpreendente. Pena que foi uma minoria. Estamos calculando os dados para entregar para revisores”, afirmou Cadegiani.

“No terceiro mês, dos mais de 100 mil que se voluntariaram a tomar ivermectina, apenas pouco mais 8 mil continuaram, e mesmo assim tivemos este de 68% na redução das mortes. Até os mais otimistas ficaram chocados”.

Filha de peixe, peixinho é

Dra Lucy Kerr, durante o World Council for Health

O pai de Lucy Kerr, a cientista principal do estudo de Itajaí, foi Warwick Stevam Kerr, cientista brasileiro falecido em 2018, aos 96 anos, na cidade de Ribeirão Preto, onde desenvolveu grande parte de sua brilhante trajetória.

Warnick, com uma carreira mundial, além de diversas universidades brasilerias, ministrou aulas em universidades norte-americanas (Louisiana, Califórnia, Wisconsin e Columbia University, em Nova York.). No Brasil teve importantes cargos, como o de Diretor Científico da FAPESP.  Também foi presidente da prestigiada Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.

Com relevantes produções científicas, foi membro da “National Academy of Sciences”, dos EUA, além de ter sido admitido pelo Presidente Itamar Franco na ordem Nacional do Mérito Científico na classe Grã-Cruz em 1994.

Lucy confessa inspiração em seu pai. “Eu o acompanhava sempre que podia. Ele não se incomodava em ajudar”, diz.

Existem outros 15 estudos em profilaxia com ivermectina. Todos são positivos, de modo unânime.

O estudo de Itajaí é o maior do mundo com ivermectina. Além dele, há outros 15 estudos sobre profilaxia, todos constatando efeitos positivos do medicamento contra a COVID-19. Entretanto, por ter sido com uma grande quantidade de pacientes e usar a técnica estatística PSM – Propensity Score Matching, devido aos dados terem grande precisão, há um maior peso neste estudo como evidência científica. Ou seja, Itajaí apenas confirmou outros estudos.

Confira a lista completa aqui.

Nota final: Nostradamus contra checadores de fatos ansiosos

Alô, checador de fatos. Você agora está indo atrás de algum especialista para refutar o estudo, certo? Eu sei. Seu objetivo é dizer que o estudo não comprova nada. Sobrou uma coisa para seu especialista falar: que o estudo não é randomizado e duplo cego. Ele está com vontade de gritar: “estudo observacional não comprova eficácia”.

Se ele disser isso, jogue no colo dele o estudo de Anglemeyer, publicado na Cochrane, em 2014 e veja ele ter um mal súbito. Este estudo diz que não existem diferenças significativas entre estudos observacionais com estudo RCT “padrão ouro”, principalmente quando a diferença é maior que 8% de eficácia, como é o caso. Ou seja. Diz que estudos observacionais comprovam, sim, eficácia. 

Não foi o suficiente?  Mostre o estudo de Kjell Benson, publicado em 2000 na New England Journal of Medicine, onde o autor chegou às mesmas conclusões. Ele ficará sem respostas. Terá um derrame cerebral.

Nem invente de fazer uma resposta, achar que está refutando o estudo com duas ou três frases, sem falar de Anglemeyer e Benson. Estamos combinados?

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