Eu sempre digo que a COVID-19, embora seja uma doença viral, é, acima de tudo, uma doença endocrinológica. Isso porque um mesmo vírus, numa mesma variante, pode causar uma gama muito vasta de gravidade, desde assintomático até óbito e/ou com múltiplas complicações. Ou seja, a gravidade da COVID-19 depende muito mais do hospedeiro do que do vírus. 

E praticamente todos os fatores de risco não genéticos (e também vários genéticos) têm a ver com a endocrinologia: de obesidade, diabetes e outras doenças metabólicas e inflmatórias, porque além de tudo ‘desbalançam’ o sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA-RAAS – mas esqueçam os nomes feios), a Síndrome de Ovário Policístico (SOP), excesso de atividade androgênica, etc.

Em setembro de 2020, eu publiquei em um grande periódico internacional de endocrinlogia, uma revisão sobre potenciais medicamentos da endocrinologia que poderiam possivelmente servir para amenizar o quadro e as complicações causadas pela COVID-19. Como podem ver na Figura 1, coloquei as classes de anti-diabéticos de inibidores de SGLT2 (SGLT2i), análogos de GLP-1 (GLP1RA), inibidores de DPP4 (DPP4i), metformina e pioglitazona como potenciais terapias para COVID-19 a depender do estágio da doença. 

Pois bem. Após pouco menos de 02 anos, sai uma mega meta-análise e revisão sistemática sobre medicamentos de diabetes e evolução da COVID-19, e o que encontraram? Que exatamente aqueles que previ, ou seja, os inibidores de SGLT2 (SGLT2i), análogos de GLP-1 (GLP1RA), inibidores de DPP4 (DPP4i) e a metformina reduziram mortalidade por COVID-19. Errei na previsão somente da pioglitazona. Ah, e que insulina pode aumentar a mortalidade por COVID-19 (para a insulina eu não estimei qualquer previsão).

Isso é resultado do pensar sobre os mecanismos das doenças e das moléculas (dos medicamentos). Entender para o que servem, como agem, e como elas podem vir a ajudar em doenças novas que podem surgir. É necessário muito estudo, mas também é necessário que escutem e acreditem em quem tem a expertise verdadeira no assunto,

Juro, se tivessem me ouvido mais e testado múltiplas outras opções terapêuticas (sou um só, não consigo fazer tudo), principalmente se combinadas (doença com fisiopatologia complexa como a COVID-19 merece combinação terapêutica, senão nada vai ‘funcionar muito bem’), é bem provável que muitas vidas estariam aqui hoje. 

Links e referências:

1 – Meu artigo de setembro/2020: – Cadegiani FA. Repurposing existing drugs for COVID-19: an endocrinology perspective. BMC Endocr Disord. 2020 Sep 29;20(1):149. doi: 10.1186/s12902-020-00626-0. 

2 – Meta-análise: – Chen Y, Lv X, Lin S, Arshad M, Dai M. The Association Between Antidiabetic Agents and Clinical Outcomes of COVID-19 Patients With Diabetes: A Bayesian Network Meta-Analysis. Front Endocrinol (Lausanne). 2022 May 27;13:895458. doi: 10.3389/fendo.2022.895458. 

Nomes de medicamentos científicos e comerciais: 

(SGLT2i – ‘Forxiga’ ou ‘XigDuo’ (dapagliflozina), ‘Invokana’ (canagliflozina), ‘Jardiance’ ou ‘Glyxambi’ (empagliflozina)); (GLP-1Ra – ‘Victoza’ ou ‘Saxenda’ (liraglutida), ‘Trulicity’ (dulaglutida), ‘Ozempic’, ‘Wegovy’ ou ‘Rybelsus’ (semaglutida)…); (DPP4i – sitagliptina (‘Januvia’ ou ‘Janumet’), linagliptina (‘Trayenta’ ou ‘Glyxambi’), saxagliptina (‘Onglyza’ ou ‘Kombiglyze’, vildagfliptina (‘Galvus’ ou ‘GalvusMet’)…)

 

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