Há algum tempo, comentei sobre um artigo no British Medical Journal (publicado há quase um ano) sobre como o fato de as agências reguladoras, como o FDA e o MHRA, receberem a maior parte de seu orçamento das próprias empresas que deveriam regular pode distorcer suas decisões.

Essa não é a única fonte de distorção para as decisões tomadas por essas agências: como o próprio artigo no BMJ comenta, há também a famosa “porta giratória” em que as pessoas que trabalham nas agências reguladoras e nas empresas que deveriam ser reguladas por elas acabam sendo basicamente as mesmas pessoas. Se hoje eu trabalho no FDA, quero amanhã ter um bom cargo numa grande empresa farmacêutica. Até David Boulware, ex-herói da mídia por supostamente “mostrar que a hidroxicloroquina não funciona”, já percebeu um duplo padrão na forma com que as drogas da big pharma e da little pharma são tratadas.

Nos Estados Unidos, o mecanismo pelo qual o FDA recebe dinheiro das empresas depende do Prescription Drug User Fee Act (PDUFA) aprovado pelo congresso americano em 1992. Seria uma coisa aparentemente inocente, apenas uma “taxa de uso” pelo serviço de revisar a documentação e aprovar (ou não) as drogas. Mas é óbvio que uma coisa dessas tende a gerar “clientes preferenciais” que recebem um tratamento vip. O PDUFA precisa ser reautorizado a cada 5 anos pelo congresso americano. Adivinhem quem é uma grande fã do PDUFA?

A Pfizer: “Porque os pacientes precisam que o Congresso reautorize o PDUFA“.

Só podemos concluir que ela adora pagar essa taxa para contribuir com o funcionamento do FDA, sem nenhum interesse além do bem da sociedade. Mesmo motivo pelo qual ela agora dá dinheiro para divulgação científica no Brasil:

Destaco um parágrafo na coluna do Nexo de Olavo Amaral:

Em defesa de Átila, ele já tinha divulgado a mesma interpretação equivocada em suas redes sociais no ano passado – o que sugere que ela não tenha sido fruto da influência da Pfizer. Mas isso não implica que o patrocínio não tem impacto – se a indústria puder usar seu poder bilionário para promover a informação enviesada que lhe interessa, isso já é um problema.

Pois é, o Átila não precisa de patrocínio para falar besteira. E não é só ele. Boa parte das baboseiras que supostos “especialistas” falaram durante a pandemia não é por conflito de interesse. A incompetência é muito mais bem distribuída do que a maioria das pessoas imagina.