Publicado originalmente no Brownstone Institute.
Antes de começar, propriamente, este artigo, eu vou lembrar de uma frase que quase todo mundo conhece: “A história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”. O autor é o filósofo alemão Karl Marx. É normal as pessoas falarem variantes dessa frase já presente no imaginário popular. Afinal, a história se repete ciclicamente.
E como complemento, cito outra frase. Esta, ao contrário da primeira, é menos conhecida: “O que a história ensina é que os governos e as pessoas nunca aprendem com a história”. Quem disse isso foi Hegel, outro famoso filósofo alemão.
E por que inicio falando de história? Porque antes de entrar no cerne da questão deste artigo, que trata da pandemia de COVID-19, é necessário lembrar da pandemia anterior: a da AIDS, doença que assustou e assolou o mundo desde o meio da década de 80, vitimando, pelas estimativas oficiais da UNAIDS, cerca de 40 milhões de pessoas.
Apenas para se ter uma referência de proporção, a Segunda Guerra Mundial inteira vitimou 70 milhões de pessoas. A AIDS, portanto, como acontecimento da humanidade, equivale a pouco mais da metade da Segunda Guerra Mundial.
A AIDS no cinema
Mesmo com a AIDS tendo produzido mais da metade de óbitos que a Segunda Guerra, na cultura popular, as duas histórias possuem um grande desequilíbrio nas produções culturais. Enquanto temos uma infinidade de filmes, livros e documentários, lançados até hoje, quase 80 anos depois do fim da guerra, retratando contando a história das batalhas e o contexto que levou aos conflitos bélicos, a história da AIDS, muito mais recente, possui apenas uma fração disso.
De qualquer forma, a menor quantidade proporcional de obras sobre a AIDS não interferiu na qualidade das produções. Para quem gosta de cinema, alguns filmes são memoráveis. Em 1993, Tom Hanks ganhou o Oscar de melhor ator por sua atuação no excelente filme Philadelphia. Mais recentemente, em 2018, foi a vez de Rami Malek levar a estatueta de melhor ator da academia. Malek, no filme Bohemian Rhapsody, incorporou Fred Mercury, o vocalista da icônica banda britânica Queen. Sua atuação foi realmente impressionante.
Entretanto, esses dois filmes tratam apenas de dramas pessoais de vítimas da doença. Os roteiros não narram as grandes mesquinharias e interesses escusos que a AIDS motivou. Nas duas obras, as abordagens foram outras. Em Philadelphia, entendemos os preconceitos sofridos pelas pessoas que tinham o vírus. Em Bohemian Rhapsody, entendemos a comoção do mundo ao perder uma grande estrela da música.
A grosso modo, seria como contar histórias de pessoas que morreram afogadas no acidente do Titanic sem explicar todos os motivos que geraram a colisão com o iceberg, o acidente que levou o navio ao fundo do mar. Podem ser histórias interessantes, cheias de emoções, mas não vão ao cerne das questões.
E o cinema contou a maior história da AIDS
Hoje em dia, uma pessoa que possui o vírus HIV tem uma expectativa de vida comparável a uma pessoa sem o vírus. Mas no início da década de 80, as pessoas com AIDS morriam como moscas. Diante disso, todos tendem a acreditar que a medicina demorou para entender a doença e conseguir desenvolver um tratamento eficaz. Isso não é verdade.
Exatamente aí está a história mais importante sobre a AIDS: a doença tinha tratamento bastante eficaz desde seu início, mas tudo foi encoberto por um conluio que envolveu a big pharma, médicos, cientistas, sociedades médicas, hospitais e o governo dos EUA. A motivação? Muito dinheiro. Simplesmente deixaram milhões morrerem por lucro. Essa história é contada magistralmente no filme biográfico “Clube de Compras Dallas“, de 2013, vencedor de três estatuetas do Oscar, incluindo melhor ator e melhor ator coadjuvante.
Um resumo do roteiro? O filme passa-se no meio dos anos 80 e conta a história de Ron Woodroof, um eletricista do Texas, EUA, que descobre estar infectado pela AIDS. Após o diagnóstico, ele descobre que o tratamento padrão nos Estados Unidos, o AZT, é altamente tóxico e sem eficácia. Ele então procura alternativas e descobre um médico que tratava a doença com medicamentos reposicionados.
No início do filme, quando Ron descobre sua doença, o médico diz que ele teria apenas mais um mês de vida. No fim das contas, Ron viveu mais nove anos. E todos que eram tratados com o “kit AIDS”, que Ron passou a vender ilegalmente, também sobreviviam. Sem tratamento eficaz, a doença matava 100% das pessoas em poucos meses. Mas todos que tomavam o “kit AIDS” de Ron Woodroof tinham uma expectativa de vida próxima de algo normal.
E todos que se esforçavam para tratar os infectados eram perseguidos, inclusive pela polícia e por todas as autoridades governamentais. Eram os “negacionistas” e “teóricos da conspiração” da época. Inclusive médicos perderam suas licenças por se recusarem a deixar pessoas com AIDS morrerem. Enquanto isso, a big pharma trazia remédios que só pioravam a doença, mas os lucros eram imensos. O AZT foi o medicamento mais caro da história.
Todo roteiro de cinema que se preza possui os heróis e os vilões. Se não há isso, não há história para ser contada. “Clube de compras Dallas” cumpre esse requisito. E quando as pessoas assistem ao filme, ninguém fica com dúvidas de quem são os mocinhos e os vilões. Os mocinhos eram os que, mesmo atacados e perseguidos, reduziram brutalmente a taxa de mortalidade da doença.
Da AIDS para a COVID-19
Qualquer possibilidade de tratamento da COVID-19 com medicamentos baratos, genéricos e sem patentes, assim como na época da AIDS, foi tratado como assunto de maluco, terraplanista e teórico da conspiração. Afinal, segundo toda a mídia de massa, era tudo “comprovadamente ineficaz“. Não importa quantos estudos eram publicados, segundo a mídia, eram sempre “sem evidências científicas”.
A partir deste ponto, começava, entre os “especialistas” com voz na mídia, um discurso enfadonho, para enrolar todos, sobre “rigor científico”, “duplo cego”, “fator de impacto” de periódicos científicos, além de discurso que devemos confiar plenamente em agências regulatórias.
Entretanto, não há discurso que segure os resultados dos médicos da linha de frente que trataram muitos pacientes COVID-19 com nenhum ou quase nenhum óbito, repetindo o que vimos em “Clube de Compras Dallas”. Afinal, se os pacientes desses médicos não estavam morrendo de baciada durante uma pandemia que matou milhões, eles estavam fazendo algo que estava funcionando.
Nota extra: estranhamente, os divulgadores científicos não acusaram de “comprovadamente ineficaz” quando o caro e patenteado Remdesivir foi aprovado e carimbado por agências regulatórias contra a COVID-19 – a aprovação foi baseada em um estudo de abril de 2020 que não trouxe resultado algum. Atila Iamarino, o “divulgador científico” de maior sucesso do Brasil, com mais de 1 milhão de seguidores no X (Ex-twitter), comemorou. “Ótimo para aliviar UTI”. Na verdade, esse estudo trouxe 8,6% mais mortes no braço Remdesivir do que no braço placebo. No fim do estudo, no dia 28, morreram 22 de 158 no braço medicamento e 10 de 78 no braço placebo.
Alívio de consciência
José Alencar, médico, professor, pesquisador e influencer digital, que se define como “Defensor da medicina baseada em evidências”, sendo autor de livros na área, se colocou, durante toda a pandemia, contra tratamentos da COVID-19 com medicamentos genéricos, baratos e sem patentes, inclusive fazendo isso de modo ofensivo. Para ele, esse assunto era para ser falado no dia primeiro de abril, o dia da mentira.
Contudo, os resultados dos médicos de linha de frente contra a COVID-19, com números arrasadores e facilmente compreensíveis tanto para leigos como para especialistas, anos depois, ainda atormentam os que se posicionaram veementemente contra, principalmente os que faziam piada e ajudavam na perseguição dos que decidiram não deixar pacientes morrerem.
Com esse peso em mente, Alencar, agora em 2024, buscando alívio de consciência, fez uma postagem bastante popular em seu twitter, onde ele possui mais de 50 mil seguidores. De modo didático e com alegorias, ele explicou os fundamentos do artigo Mathematics of Lady tasting Tea, de Ronald Fisher, um dos pais da estatística.
No caso fictício, uma senhorita dizia que conseguia diferenciar, em um leite com chá, o que foi colocado antes na xícara, se o leite ou o chá. Ela alegava que o sabor seria diferente. O artigo de Fisher propõe que, em 8 xícaras, a probabilidade de acertar todas é de 1,14%.
A partir do artigo, ele propõe outro exercício de probabilidades:
1 – Por exemplo, o médico que você segue no instagram diz que tratou 100 pessoas de uma doença e todos sobreviveram. Qual a probabilidade de isso ter ocorrido ao mero acaso?
Vamos usar os ensinamentos de Fisher?
2 – Em primeiro lugar, temos que saber a taxa de letalidade.
Digamos que, em sua história natural, a doença mata 1% dos doentes – 1 em cada 100.
Com os cálculos, observamos que a probabilidade de ocorrer algo tão extremo quanto 0 mortes em 100 (quando a letalidade é 1%) é de 36%.
3 – Então quer dizer que seu guru favorito do instagram está cantando vitória por algo que pode ter sido mera casualidade?
Sim, meu caro.
Alencar acerta no cálculo. Em uma doença cuja letalidade é de 1%, se um médico tratou 100 pessoas, a chance de não ter morrido ninguém é de 36%. Mas é essa a realidade COVID-19 e a realidade dos médicos que resolveram tratar a doença com as melhores evidências disponíveis?
Os resultados da linha de frente
Desde o início da pandemia, um médico dos EUA, Brian Procter, resolveu divulgar seus resultados ao vivo no Twitter. Ele colocou uma lousa em seu consultório. A cada atualização, ele publicava uma foto da lousa em sua rede social. Esta é a foto de uma postagem, quando ele tinha 754 pacientes tratados e apenas um único óbito.
Dr. Procter entendeu o impacto de sua comunicação, semelhante ao que Ron Woodroof fazia durante a AIDS. As pessoas responsáveis pela censura do Twitter também entenderam o impacto, tanto é que o Dr Procter perdeu sua conta na rede social.
Posteriormente, o Dr Procter. publicou, no periódico International Journal of Innovative Research in Medical Science, um estudo revisado por pares com todos os resultados de seu cocktail em detalhes. No final das contas, ele tratou 869 pacientes com COVID-19. E foram apenas pacientes com mais de 50 anos ou, se menores de 50, com pelo menos uma comorbidade. Os mais novos de 50 sem comorbidades, Dr Procter entendeu não ser necessário tratar. Entre os 869, apenas 20 precisaram ser internados e apenas dois faleceram.
Também dos EUA, usando o mesmo cocktail de hidroxicloroquina e ivermectina, entre outros medicamentos, o Dr. George Fareed e Dr. Brian Tyson trataram, nos primeiros dias de sintomas, 3.962 pacientes. Entre esses que iniciaram cedo a medicação, ninguém morreu. Dos 413 pacientes que chegaram após a fase inicial da doença, com mais de cinco dias de sintomas, a dupla norteamericana teve apenas três óbitos.
Na França, o Dr. Didier Raoult, também usando hidroxicloroquina como base, tratou 8,315 pacientes com até cinco dias de sintomas. Entre eles, teve apenas 214 precisando de internação hospitalar (2.6%), e apenas cinco óbitos. Os resultados de Raoult e sua equipe foram publicados no periódico Reviews in Cardiovascular Medicine, que é revisado por pares.
No Brasil, o Dr. Cadegiani, tratou 3711 pacientes desde o início da pandemia. Entre eles, teve apenas quatro internações e não teve nenhuma morte. Uma das intenções chegou a entubar, mas não morreu. Bateu na trave.
No Peru, o Dr. Roberto Alfonso Accinelli tratou 1,265 pacientes e teve 7 óbitos relatados em seu estudo revisado por pares. Neste caso, entre os 360 que foram tratados dentro de três dias de sintomas, ninguém morreu. Diversos outros médicos que ousaram tratar, mesmo perseguidos como os médicos do filme “Clube de compras Dallas”, tiveram resultados semelhantes.
Veja aqui uma lista com resultados de médicos e equipes médicas com cocktails contra a COVID-19. Boa parte dos resultados foram publicados em periódicos científicos revisados por pares.
Realidade versus mentir para si mesmo
Na historinha confortante de Alencar, eram 100 pacientes em uma doença com 1% de letalidade. Segundo sua conta, que está correta, existem 36% de chances de não morrer ninguém com um tratamento ineficaz em sua hipotética doença de 1% de letalidade entre 100 pacientes. Portanto, no caso, não daria para contar vitória.
Entretanto, na COVID-19, a letalidade era de aproximadamente 2% durante toda a pandemia até chegar a variante omicron, no fim de 2021. Ou seja, na média, morria uma pessoa a cada 50, não uma a cada 100. E não são apenas 100 pacientes. Somando todos os resultados dos médicos que listei acima, foram 18.525 pessoas com a doença que procuraram tratamento. No total da conta de óbitos, 17 pessoas morreram. Isso dá 0,09% de letalidade.
Eu não vou entrar na discussão da letalidade exata da COVID-19. Eu vou baixar a taxa de letalidade ao máximo e de modo irreal. No Brasil, temos 203 milhões de habitantes. Na conta oficial de óbitos COVID-19 do país, 712 mil pessoas morreram.
Vamos supor que todos os brasileiros tiveram COVID-19 – o que não é a realidade, afinal, boa parte da população não teve a doença – e todos foram tratados e tiveram a taxa de letalidade na média dos médicos acima. Neste caso, as mortes totais teriam parado em pouco mais de 186 mil pessoas. Mas morreram 712 mil.
Ou seja, mesmo no cálculo mais conservador (menor que o real) da estimativa de taxa de letalidade, mais de meio milhão de brasileiros estariam vivos hoje.
Leigo ou especialista, ao assistir “Clube de compras Dallas”, entende a eficácia. E ninguém fica com dúvidas de quem são os heróis e os vilões. Leigo ou especialista, ao ver os resultados desses médicos contra a COVID-19, entendem a eficácia, afinal, quase ninguém morreu.
Cálculos fajutos para aplausos e conforto de todos
Alencar precisou distorcer a realidade para conseguir fazer uma matemática que lhe traz conforto. Mentiu para si mesmo. E para estar fazendo isso quatro anos depois da pandemia, significa que os resultados de quem enfrentou a doença atormentam os que se colocaram contra, ajudando na perseguição, e ainda ofendendo os que ousaram tratar e trouxeram resultados.
Leandro Tessler, professor da Unicamp, uma das maiores universidades públicas do Brasil, que se define como “divulgador científico”, achou o conforto que buscava na postagem de Alencar. Durante toda a pandemia, ele se propôs, em nome da universidade, a classificar o que era verdade e mentira nas redes sociais. Com isso, atacou todos que ousaram tratar. Tessler chegou a comemorar a censura dos que noticiavam estudos e resultados.
Tessler: E assim foi inventado o conceito de p-valor, que muito médico, e em especial uma certa associação de médicos, não consegue entender.
Alencar: E alguns matemáticos tentam fazer malabarismos com sua definição e cálculo pra tentar explicar o inexplicável.
Tessler: Sempre lembrando o outro mantra da pandemia: matemático não é estatístico.
Aqui, Tessler ataca Daniel Tausk, professor de matemática da USP – Universidade de São Paulo, a mais prestigiada do Brasil, por ele ter se proposto a analisar e explicar os estudos clínicos para médicos da linha de frente que queriam entender todas as possibilidades para combater a doença, auxiliando-os em suas buscas pelas melhores evidências científicas.
Bem. Marx e Hegel tinham razão. A história se repete e as pessoas não aprendem nada com a história. Deve ser pesado demais ver os resultados dos que trataram COVID-19 te atormentando e você se entender do lado errado da história ao olhar no retrovisor. Eles não tem como voltar atrás, só resta seguirem em frente, se enganado. Não há outras opções.
Para conforto de todos, restam cálculos criativos de artistas circenses da academia.