Lembra quando a imprensa brasileira reverberou o resultado de um estudo que dizia que “uso de hidroxicloroquina durante pandemia causou 17 mil mortes em seis países”? (veja, por exemplo:”Estudo estima 17 mil mortes em seis países por uso de cloroquina contra Covid“.

Após a publicação do estudo o ex-ministro da saúde Nelson Teich escreveu um tweet endossando o resultado. Na época eu fiz um post explicando porque isso era bobagem: “Entenda porque o recente estudo francês falando em 17 mil mortes é duvidoso e não tem nada a ver com tratamento precoce“.

E o Eli Vieira na Gazeta do Povo fez uma reportagem que endossava meus comentários “É errado afirmar que prescrição precoce de hidroxicloroquina matou 17 mil no mundo“. Como já virou moda, “só a Gazeta do Povo”. 

Posteriormente, apareceu um preprint com argumentos parecidos com os meus e o Eli Vieira noticiou isso na Gazeta do Povo. “Imprensa alegou que hidroxicloroquina matou 17 mil. Estava errada“.

Ah, mas é “só um preprint”, né, o outro foi “revisado por pares”, não? Sim, mas o preprint está certo e, como não é raro, os tais “pares” que deviam revisar as coisas na realidade só dão uma olhada na diagonal ou não são realmente competentes para revisar.

Agora o tal artigo das 17 mil mortes foi retratado.

Isso certamente vai ser amplamente noticiado na imprensa, né? Como o mesmo destaque que a publicação do estudo. Tenho certeza absoluta disso — de que não vai.

Boas notícias então, essa foi uma das vezes em que o sistema funcionou. No entanto, muito mais frequentemente ele não funciona. A JAMA, jornal de grande prestígio, virou essencialmente um panfleto de propaganda no que se refere a temas ligados à Covid. Jamais retrataram o infame artigo Borba et al, popularmente conhecido como o “estudo com doses letais de cloroquina de Manaus”. 

Sim, é um fato, os autores do estudo esqueceram de converter a dose usada pelos chineses expressa em termos da massa do fosfato de cloroquina para a massa expressa em termos de cloroquina base usada na embalagem brasileira do remédio. Daí deram para pacientes graves uma dose muito acima do permitido pela bula e o grupo com dose mais alta teve excesso de mortes com significância estatística. A imprensa em vez de denunciar o ocorrido fez de conta que isso era mentira. Novamente, exceto a Gazeta do Povo.

Um editor da JAMA fez piadinhas na seção de comentários do paper, deixando claras as suas motivações políticas (“Uma dica: se você está prescrevendo HCQ após esses resultados do JAMA, faça um favor a si mesmo e ao seu advogado de defesa. Documente no prontuário médico que você informou o paciente sobre os potenciais riscos da HCQ, incluindo morte súbita, e seus benefícios (???). Documente o consentimento do paciente para essa terapia experimental. O padrão de cuidado não é derivado de tweets, rumores, palpites ou coletivas de imprensa presidenciais.”)

Muitos acadêmicos brasileiros importantes foram cúmplices do ocorrido. Quem acompanha notícias pela imprensa mainstream acredita que o “estudo letal” de Manaus seria o estudo do Dr. Flavio Cadegiani com a proxalutamida – mas isso é exatamente o oposto da verdade, esse é o estudo em que a droga funcionou muitíssimo bem e salvou muitas vidas. E não salvou muito mais no país todo na segunda onda de Covid em 2021 porque ninguém deu bola para o resultado.

A Nature não fica muito atrás da JAMA. Jamais retrataram o infame “proximal origins” paper. Veja aqui para quem não lembra do que se trata.

Temos também exemplos de situações em que artigos que não tem realmente qualquer problema sério são retratados por razões sem pé nem cabeça.

Enfim, boas notícias hoje, mas o quadro geral é trágico.


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