Este debate que acabei envolvido é interessante porque ele explica como está o momento atual do mundo. Na minha opinião, é fascinante como as pessoas, mesmo as super qualificadas, aptas a lerem estudos científicos e aptas a entenderem os estudos com profundidade, estão completamente alienadas sobre tudo que ocorreu no mundo durante a COVID-19. É exatamente por este fenômeno, na minha interpretação, que o mundo passa por, o que considero, um desastre completo.

De qualquer forma, essa conclusão é apenas uma opinião minha. Você, ao ler tudo que foi escrito neste debate, pode tirar as conclusões que quiser. É exatamente este o objetivo.

Mas vamos para a história desde o começo. Era um longo debate no Facebook cheio de gente. Um amigo me chamou e cheguei na metade. A postagem original era um comentário do professor Paolo Zanotto, da USP, sobre os números do VAERS, o sistema governamental dos EUA de notificações de efeitos adversos das vacinas. “As mortes por vacinas contra a COVID em um ano são equivalentes às mortes por todas as outras vacinas em 33 anos. Fonte: dados do VAERS sobre todas as mortes por vacinas de 1988 a 2021”, escreveu Zanotto.

Na postagem deste meu amigo de facebook, entrou Mauro Cardoso. Seu currículo é parrudo. Diz assim: “cientista de dados e médico epidemiologista. Utiliza seus conhecimentos em métodos estatísticos matemáticos para o estudos de epidemiologia e medicina. É graduado em Medicina, com mestrado em Saúde Pública e Epidemiologia, e bacharel em Estatística, todos pela UFMG. Possui especialidade em Bioestatística, Já atuou como como Bioestatístico do Montreal Neurological Institute em Montreal, no Canadá, e como Epidemiologista da ONG Médicos Sem Fronteiras”.

Mauro iniciou com arrogância, desqualificando a postagem. Eu li sua primeira intervenção: “Tu tá nessa até hoje? O VAERS é apenas um repositório que coleta relatos de potenciais efeitos adversos de medicamentos e vacinas”, respondeu ao autor da postagem que compartilhava a frase de Zanotto. Com o “nessa ainda?”, já indicou seu objetivo: explicar que o assunto era para lá de superado.

O nível de arrogância surpreendeu. “Dizer que o relato do VAERS prova o mal das vacinas é o mesmo que dizer que tu é um criminoso porque um guarda já te parou no trânsito… Sem essa! Sai fora dessa, cara… Antes tarde do que nunca”, complementou.

Após as pessoas levantarem dados e estudos sobre o VAERS, Mauro aumentou sua retórica agressiva a alguém que argumentou: “Você fanatizou, meu caro. Foi consumido por panfletos. Se você pelo menos consumisse propaganda panfletária de grupos distintos, até dava para levar. Você é o cara que vai numa praia, com uma lupa, acha cinco grãos de areia de cor avermelhada e sai falando que todo o litoral inteiro está manchado de sangue”.

Eu não havia entrado no debate ainda. Uma pessoa argumentou que as vacinas COVID não imunizam. Diante disso, Mauro aumentou sua agressividade com afirmações surpreendentes. “Sua definição de ‘imuniza’ é uma exigência de que nunca se tenha a doença de novo, isso é irreal. Nem todas as vacinas agem assim, mas a imunização é suficiente para praticamente impedir mortes, diminuir internações a níveis irrisórios, baixar muito os casos sintomáticos e ainda sim afetar a cadeia de transmissão epidêmica. Você está xingando um jogador que ganhou o campeonato porque ele só fez dois gols quando na sua cabeça, deveria ter feito dez. É surreal o nível de incompreensão que você tem de saúde pública e sanitarismo”, escreveu.

No alto de um salto alto imaginário, Mauro foi aumentando o tom para as pessoas que faziam comentários normais. “Eu prometi que ia parar de comentar para não dar palco pra maluco”.

Foi quando fiz minha primeira intervenção:

Eu, pessoalmente, acho divertido quando uma pessoa trata mais um caso de iatrogenia, agora bem grandão, como uma conversa de maluco, teórico da conspiração, terraplanista ou chapéuzinho de alumínio. Realmente, se não fosse uma coisa tradicionalmente recorrente no ramo, até eu trataria assim. Mas a indústria se aproveita de absolutamente todas as oportunidades. Não deixa passar uma sequer. Ou seja, aqui a gente grita: “a história está se repetindo, de novo”, e o cara fala: “maluco”.

Agora vi aqui, esse Mauro defendeu vacina obrigatória, porque ele acreditou na propaganda que as vacinas covid reduzem a transmissão. Manipularam o cara como um fantoche. Lembra daquela frase? “É mais fácil enganar do que explicar que foi enganado”, algo assim?

Você acha que um cara desses “muda” de opinião? Se fode até o fim. E outra, ele não vai sequer ler os estudos que separamos, criticando as vacinas, apenas por sermos contra a obrigatoriedade. É um tipo de autoproteção psicológica. (Eu havia entrado no Facebook dele e vi uma postagem, de dezembro de 2021, quando já sabíamos que as vacinas COVID não reduziram infecções, com ele defendendo a ideia que essas vacinas são pactos sociais e, portanto, dando sinal verde para a obrigatoriedade).

O debate ainda não havia se tornado direto entre o que eu escrevia e o que Mauro escrevia. Uma pessoa trouxe os resultados, direto de um documento da FDA (agência regulatória dos EUA) do estudo de 6 meses da Pfizer, onde morreram mais pessoas no grupo vacina do que no tratamento: 21 a 17. “Você é familiarizado com conceitos como ‘intervalo de confiança’ (confidence interval) e “valor de p” (p-value)?”, perguntou Mauro ao intelocutor.

Eu comentei: 

Ele vai dar uma aula de P-valor agora. Vai ter que explicar que os 22 x 16 do estudo original da Pfizer (primeira vez na história que acontece isso e lançam o produto), é sem significância estatística. Ok, é mesmo. Mas aí ele vai ter que dizer que as vacinas deram azar em quem tomou durante o trial.

Mauro respondeu: 

Rapaz, me stalkeou e achou um texto bom meu até. Eu não acho que vacina tem que ser obrigatória. Eu acho que a vacina amplia a possibilidade de que nenhuma restrição seja imposta. A vacina acabou com o lockdown. Eu citei até Bakunin, o anarquista naquele texto. Obrigado, por lembrar, Felipe. Tinha esquecido que falei ali bem claro que lockdown era um evento restritivo e negativo.

Não tem azar na jogada. Estatística é justamente a ferramenta que se usa para tirar sorte ou azar da jogada. Bom, se você não quer discutir sobre tamanho de amostra, aleatoriedade, fica difícil. É conceito que se usa tanto na Rússia quanto na China, em Cuba, nos EUA, na França e na Alemanha. Estatística é uma ferramenta que a OTAN e o extinto Pacto de Varsóvia aceitavam. Era esse meu ponto. Um placar de 2×0 é diferente de 1×0, mas 17 em dezenas de milhares não é diferente de 21 em outra dezena de milhares. Você sabe disso, só não quer assumir.

Eu respondi:

Mauro, vamos lá, repete comigo. Vacinas covid não são um pacto social. Entendeu?

Vai repetindo até aprender.

Porque, na verdade, a gente que teria que prender e restringir todos vocês que se acharam inteligentes, xingaram todo mundo em nome dos lucros da big pharma, manipulados, e agora estão piorando a pandemia, transmitindo doenças pra gente e ferrando com o SUS, que é de todo mundo.

Afinal, agora, depois dos estudos de IgG4, vocês são os portadores e dissemimadores da COVID-19. Quanto mais doses vocês tomaram, maiores são as suas chances de pegar e transmitir a doença.

Ciência, meu caro.

Pfizer, mortes totais no fim do estudo:

Placebo: 16

Vacina: 22

Achou bom? Vai lá, toma quantas quiser. Trate o posto de saúde como uma biqueira. Tá de boa. Só não torra o saco defendendo coerção em quem não é fanático da big pharma como você.

PS: no fundo, entendo todos vocês, fanáticos, que já enfiaram tudo isso para dentro do corpo, se recusarem a ler todos os estudos que mostram que deu tudo muito, mas muito errado. Lembro-me de uma frase de Dalai Lama. Ele disse algo assim: “se tem solução, não precisa se preocupar. Se não tem, não adianta se preocupar”.

E não tem solução. Não dá para destomar mesmo.

Mauro:

Como comentei, mortes por todas as causas são similares (muito próximas dado os milhões de vacinados) entre quem tomou e não tomou a vacina, as mortes por COVID são cerca de 90% menores, essa é a eficácia (infelizmente mesmo assim, ela não impede todas as mortes). Para impedir lockdown, que é um evento negativo (coerção nas suas palavras) as vacinas ajudaram, mas aí não foi o evento morte, foi o evento de casos mesmo. Eu fico satisfeito que pelo menos, você está procurando e levando em consideração os dados do FDA americano. Só de vc ter lido o relatório eu fico achando que já valeu. Eu já vi anti-vaxer que não acredita nem nesses dados (mas confia no Putin!). Acho que evoluímos em algo. Pode me xingar, faz parte do processo! Abraço fraterno!

Respondi:

Repito: tome quantas quiser. Trate o posto de saúde como uma biqueira. Tô nem aí.

Só não apóie políticas de coerção contra quem não virou um fanático defensor da big pharma igual tu. Nenhuma.

E outra coisa. Falta ciência e evidências para você concluir suas opiniões. Esta sua afirmação: “as mortes por COVID são cerca de 90% menor”, saíram de vozes da sua cabeça. É crença, tipo gente que acha que a terra é plana.

Não existe estudo randomizado, duplo cego (até open label), comprovando essa eficácia. Isso é a prova que você virou um panfleteiro, inocente útil, da Pfizer, repetindo números à esmo. Propagandista, saca?

E mais, essa sua outra afirmação também saiu das vozes da sua cabeça: “O número de óbitos por infarto, por câncer, por atropelamento, por suicídio, por violência, por terrorismo que seja, vai ser similar nas duas populações acompanhadas”.

“Most importantly, we found evidence of an over 3.7-fold increase in number of deaths due to cardiac events in the BNT162b2 vaccinated individuals compared to those who received only the placebo.” (Tradução: Principalmente, encontramos evidências de um aumento superior a 3,7 vezes no número de mortes devido a eventos cardíacos em indivíduos vacinados com BNT162b2, em comparação com aqueles que receberam apenas o placebo).

Evidências científicas, caro. Para quem estudou medicina, epidemiologia e estatística, em uma Federal, comportar-se deste modo, é vergonhoso.

Espero posições assim de gente sem formação alguma ou algum medicozinho leitor de protocolo formado na Uninove.

Mauro:

Interessante seus comentários, você é uma pessoa boa pra fazer um pente fino em alguns relatórios. Você podia trabalhar como ombudsman.

Vou comentar os pontos que você citou. Primeiro, o número de 90% não saiu da minha cabeça, isso é o que foi divulgado na imprensa, é um arredondamento da eficácia da vacina, no caso da Pfizer. O número exato varia de fase de estudo pode ser encontrado até mesmo nesse relatório que você passou, mas não se apegue às vírgulas.

Você tem alguma razão quando diz que não tem estudo randomizado, duplo cego. Existem estudos clínicos e por não serem perfeitos podem ainda conter alguns viéses. Isso não justifica a não-aprovação das vacinas pelos sistemas sanitários (que são até bem conservadores). Mas é suficiente para exigir que se continuem monitorando em uma escala global. Essa etapa o pessoal chama brincando de fase-4 (por causa das fases 1, 2 e 3 necessárias à aprovação). Estamos já na fase 4 e as vacinas têm se mostrado robustas e seguras. Se houvesse algo na fase 4, já se teria notícia dados os bilhões de vacinados.

Um dos motivos que não existe estudos perfeitamente experimentais é que, para isso, haveria necessidade de inocular aleatoriamente covid e placebo em pessoas nunca expostas em laboratório. Isso não é usual, eticamente questionável e não deve ser necessário dada a queda da importância da COVID. Esses estudos perfeitamente experimentais podem ser feitos, por exemplo, em cobaias ou macacos. Não vou render aqui.

Por fim, você citou uma outra cereja famosíssima do bolo, a agulha no palheiro dos anti-vaxers. Alguns relatos de cerca de poucas dezenas de causas cardíacas entre milhões de vacinados que podem ser maiores que no controle. Se isso for verdade, está em acompanhamento e isso fala contra o achado anterior de que estatisticamente as mortes de vacinados não seriam iguais para todas as outras causas. Nesse caso, identifica-se o subgrupo que isso ocorre e vira uma restrição na bula, por exemplo: A vacina BNT162b2 é contra-indicada em caso de suspeita de doença tal, por exemplo, doença cardíaca. É assim que a vigilância sanitária funciona e você parece estar começando a entender a importância dela.

Agradeço a oportunidade de explicar esses conceitos. Não acho que vai te convencer, mas outras pessoas que podem estar lendo ficaram mais tranquilas. Abraço.

Eu respondi:

Prezado Mauro,

Primeiramente, preciso dizer que é um prazer debater com você. Não exatamente pelo alto nível dos seus argumentos, mas sim porque possuo amor ao debate. Faço isso com quem quer que seja, desde que a pessoa saiba, no mínimo, usar pontos e vírgulas, o que é seu caso.

Entenda como um elogio. Acontece que sinto curiosidade para saber como as pessoas que supostamente são elaboradas pensam no momento atual, bem crítico, sabe?

De início, nesta sua última resposta, confesso que até dei umas risadas. Eu, aqui, em toda a troca de argumentos prévios, forneci links de estudos científicos revisados por pares de cada afirmação que fiz. Penso que nada pode ficar no ar.  Na mensagem anterior, você afirmou que a eficácia das vacinas contra a COVID-19 era de 90% para evitar mortes. Eu acusei de que esse dado saiu de “vozes da sua cabeça”. Agora, você respondeu: “o número de 90% não saiu da minha cabeça, isso é o que foi divulgado na imprensa, é um arredondamento da eficácia da vacina”.

Sabe, Mauro, eu preciso ser sincero. Em seu perfil no Facebook, você afirma que estudou medicina em uma Universidade Federal. Indo além, no mesmo currículo, afirmou que estudou estatística na mesma universidade e, ainda mais, estudou epidemiologia na mesma instituição. Poucas pessoas têm uma qualificação tão grande para entrar nesse debate de cabeça, como você se propôs, afinal, desde o início, usou termos, aos que discordavam de você, como “Tu tá nessa até hoje?”, e “Sai fora dessa, cara… antes tarde do que nunca”, além de afirmar que as pessoas “fanatizaram”.

Em sua diatribe, Mauro, você foi mais longe ainda com os que discordavam: “eu prometi que ia parar de comentar para não dar palco para maluco”, respondeu a alguém.

Caríssimo Mauro, me diga, sinceramente. Faz sentido eu desafiá-lo a me enviar um artigo RCT (randomized controlled trial), de redução de 90% de mortes com as vacinas COVID, que afirmou, e você, médico, estatístico e epidemiologista, tudo por uma Universidade Federal supostamente de prestígio, dizer “é o que foi divulgado na imprensa”?

Era para você bater o pau na mesa, cara. Respostas assim não espero de gente com sua qualificação, mas sim de tiozões do zap, estudantes do ensino médio ou de um Hommer Simpson qualquer, saca? De você, esperava alto nível. E sequer o link dessa suposta eficácia de 90%, em jornalzinho da esquina, que seja, você trouxe.

Um médico, estatístico e epidemiologista, era para estar comendo papers no café da manhã. Mas não digo que sua resposta foi inútil. Você me trouxe reflexões. No meu entender, a academia era o que garantia uma sociedade protegida contra avanços irracionais de quem quer que seja. Mas décadas de investimento público no que seria a garantia de uma proteção da população, baseada no Iluminismo, ou seja, na razão, foi atropelada de modo mais fácil que a Linha Maginot.

Segue seu raciocínio: “Mas é suficiente para exigir que se continuem monitorando em uma escala global”. Você dizia dos efeitos adversos das vacinas. Ali em cima, logo no começo, alguém falou dos número horrorosos encontrado no VAERS. Você desqualificou. E o VAERS apenas confirmou os números horrorosos do trial original: 22 x 16. E o mundo todo agora vê um excesso de mortalidade nos países mais vacinados, o que, provavelmente, você vai desqualificar também.

Ou seja, no trial original, morreu mais gente do lado vacinado. O VAERS confirmou, e o mundo real confirmou os dois. Mas eu te entendo. Chama-se “cu na mão” e processo de negação. Entendo seu lado e a proteção psicológica que precisa.

“Se houvesse algo na fase 4, já se teria notícia dados os bilhões de vacinados”. Interessante. Te passei um estudo feito na Cleveland Clinic, o segundo complexo hospitalar mais importante dos EUA, mostrando que quanto mais doses se toma, maior a chance de infectar. Imagina isso daqui pra frente com long covid na galera toda.

O pior é que eu aqui estou enviando estudos e você sequer está lendo. Está se comportando como um Zé Ninguém mesmo, enquanto alucina. “Por fim, você citou uma outra cereja famosíssima do bolo, a agulha no palheiro dos anti-vaxers. Alguns relatos de cerca de poucas dezenas de causas cardíacas entre milhões de vacinados que podem ser maiores que no controle”.

Milhões? Você sequer leu o que eu enviei. Isso é o levantamento das pessoas do estudo original das Pfizer (adicionado: cerca de 20 mil pessoas em cada braço). Inacreditável. Eu ainda vou entender o que acontece com as pessoas, que mesmo as supostamente qualificadas, quando falamos de vacinas, começam a alucinar e babar. Assuma: você mentiu nesse currículo todo aí. Não é possível, diante desses dados que enviei, você sequer saber interpretar o que os estudos dizem e seguir repetindo slogans saídos do departamento de marketing da Pfizer enquanto acha que está debatendo algo.

Mauro respondeu:

Obrigado pelo elogio, vamos lá:

“Era para você bater o pau na mesa, cara. Respostas assim não espero de gente com sua qualificação, (…) E sequer o link dessa suposta eficácia de 90%, em jornalzinho da esquina, que seja, você trouxe.”

– O meu comentário sobre 90% ser da imprensa é justamente porque a imprensa padrão simplifica as coisas para o público leigo, é um papel desejável até, quando bem feito. Eu tenho capacidade de buscar referências originais e artigos científicos com as medidas de redução de risco, risco atribuível, que seriam os números exatos que você quer. Porque não faço isso? Por três motivos. O primeiro motivo é que dados tem uma aleatoriedade interna (tratada pela estatística) que faz com que existam intervalos de confiança por exemplo 90% (87%-93%) e uma variabilidade externa, ou seja, mudam se a dinâmica for epidêmica, pelo local, cepas, fatores demográficos, podem variar esses números. Essa insegurança é muito bem trabalhada e aceita por quem entende de estatística mas eu já aprendi que dar referências honestas, científicas, institucionais em ambientes onde predominam anti-vaxers não os convence e acaba atrapalhando quem está em dúvida e com um receio honesto por causa da abordagem probabilística da ciência. O segundo motivo é que, quando eu divulgo algum conteúdo científico, a primeira coisa que fazem é ignorar todo o trabalho e “catar cereja”. Esse trabalho é muito intenso, e provavelmente alguém faz isso por você quando te repassa conteúdos assim por redes sociais como é o caso do 22 x 16 que você citou que vou explicar em um comentário à parte. O terceiro é que sanitaristas trabalham institucionalmente, eu jamais, no meu trabalho, iria “bater o pau” individualmente como fazem youtubers e influencers. Dentro dos limites (e da imperfeição da ciência) o trabalho é tão volumoso que há necessidade de ser institucional até por ser algo público e política de estado. Não é à toa que a formação se chama “saúde pública”. Em países sérios não se fala “o Lula” ou “Nísia, a ministra da Saúde”, mas o ministério da Saúde, a Fiocruz, a ANVISA, etc. O surgimento dos anti-vaxers advém da crise institucional que estamos vivendo.

Como você me parece alguém com razoável inteligência, acho que vale a pena você fazer dois cursos. Um de metodologia científica, com módulos de tipos de estudos, vantagens, desvantagens (limitações), estatística básica, inferência causal e outro na linha de pesquisa de artigos científicos, referências bibliográficas, bancos de dados em saúde, publicação e metanálises. Eu tenho a sensação que você vai aproveitar como aquele sujeito que foi pra Noruega pra desmascarar o sol da maia-noite e viu que a terra era redonda.

“O VAERS apenas confirmou os números horrorosos do trial original: 22 x 16. (…) Ou seja, no trial original, morreu mais gente do lado vacinado.”

– Vamos lá, uma das coisas importantes em saúde pública é saber qual o DESFECHO (outcome em inglês) está sendo medido. Existem vários possíveis: infecção, casos clínicos (com sintomas), casos graves (que precisam de hospital), morte por COVID (causada pela COVID), mortes por todas as causas. Nos estudos de vacina avaliam-se esses desfechos e a eficácia é específica para cada desfecho. Em geral, vacinas para síndromes gripais (que é o caso da COVID) tem uma pirâmide de eficácia pior na base e maior quanto mais grave é o desfecho. A eficácia costuma ser muito alta para óbitos por COVID. A eficácia para internações menor, mas também mais alta, eficácia para casos leves e infecção costuma ser baixa, mas mesmo assim significativa. É por isso que se usa vacinas, não apenas individualmente, mas também para frear transmissão. Vacinas de COVID não diminuem a mortalidade geral. Grupos vacinados e não vacinados têm mortalidade por todas as causas estatisticamente iguais: é o 22 x 16 que você se refere. Poxa, mas 22 é maior que 16? Depende, uma turma com 22 homens e 16 mulheres não prova que existe mais homens que mulheres no mundo. Estatística básica, principalmente se esses 22 e 16 se tiverem denominadores de milhares de pessoas no trial. Isso não faz nem cócegas a 1% a mais. Agora uma redução significativa de 90% é outra coisa. É tipo morreram POR COVID 10% (10 em 100) dos não-vacinados e 1% (1 em 100) no outro grupo não-vacinado. É uma redução de mortalidade por COVID de 90% nas taxas. Os trials costumam ter amostra bem maiores que esses 200 do meu exemplo.

Agora, as vacinas não alteram mortalidade geral, esperam-se que as mortes por todas as causas sejam similares, mas mesmo assim pode acontecer de morrerem mais vacinados que não vacinados (QUE NÃO É O CASO DO ESTUDO DA PFIZER), mas é a seguinte situação: se a saúde pública só autoriza vacinação em idosos, esse grupo vai morrer MENOS de COVID, mas vai morrer MAIS de causas gerais comparado a quem não foi vacinado por um motivo simples: PORQUE SÃO IDOSOS. A IDADE avançada mata mais, entende? Um idoso vacinado tem mais chance de morrer de causas como infarto ou câncer do que um jovem não-vacinado. Se o grupo vacinado for mais velho, mais doente (co-morbidades) vai morrer mais vacinado, e isso não tem absolutamente nada a ver com a vacina. Em resumo, você tem que entender qual é o desfecho (outcome) que está sendo medido. Em geral as vacinas previnem muito óbitos e internações pela doença, previnem menos os casos simples e infecções e não previnem em nada casos e óbitos por fatores gerais, o que é normal. Ou seja, com raras excessões, vacinas são específicas para a doença em questão.

“Ali em cima, logo no começo, alguém falou dos números horrorosos encontrados no VAERS. Você desqualificou.”

– O VAERS é uma espécie de “reclame aqui”. Infelizmente é abusado igual a wikipedia, mas como tal, é uma fonte justa de dados, apenas tem que se atentar a vieses. Lá não se mede a verdade objetiva quantitativa, apenas registra-se a acusação. É uma forma de medir imprecisa, mas em casos onde as acusações são muitas, vale investigar. Muitos países europeus já pararam a vacinação de COVID para investigar suspeitas justas e, até onde acompanhei, não houve comprovação, mas a acusação já era suficiente para os antivaxers acusarem a maleficência não provada da vacina. A principal dela é de doenças cardíacas.

Veja bem, se houver alguma comprovação, dado os milhões (bilhões) de vacinados e que até agora não observa-se algo concreto, pode ser que se identifique algum subgrupo, algum risco de dezenas a milhões ou mesmo centenas para bilhões de alguma questão de saúde relacionados à alguma vacina específica. Se isso ocorrer, vai virar contra-indicação e segue a vida.

Vou te dar um exemplo. A dipirona tem um risco discreto, mas estatisticamente significante, de provocar uma doença chamada agranulocitose. O risco é tão baixo que não era evidenciado na fase 3 das farmacêuticas, apenas apartir da “fase 4” da vigilância e depois confirmado por outros ensaios. As agências dos EUA e da Europa proibiram o uso de um medicamento muito útil por causa disso, o Brasil não proíbe. O critério da proibição é algo discutível, mas é dessa ordem dezenas ou centenas para milhões ou bilhões de pessoas usando. Pessoas como o Pablo já disseram aqui que as cerca de 700mil mortes pela COVID era super notificadas e atribuía a vacina mortes na casa de milhares e milhares. Isso é mais que mentira, é mentira com erros em uma escala logarítmica de tão errado. O que eu já vi influencer antivaxer fazendo é ultra-desonesto, é rotular cada queixa no VAERS como se fosse um caso comprovado de doença ou morte por doença caridíaca e etiologicamente atribuído a vacina de covid. Isso é criminoso.

“E o mundo todo agora vê um excesso de mortalidade nos países mais vacinados, o que, provavelmente, você vai desqualificar também.”

– O mundo passa por um crise sanitária de aumento de processos de adoecimento sobretudo crônicos, um dos principais fatores é o envelhecimento populacional, agravado pela epidemia de COVID. A queda da expectativa de vida e a covid longa são causadas pela COVID. É visível nas estatísticas um aumento de mortalidade geral, quando se corrige (ajusta) por faixa etária esse efeito diminui muito mas ainda há um excesso de óbitos, boa parte deles se dá à EPIDEMIA de covid que foi ubíqua em suas consequências, além de outros fatores que não são conhecidos e estão sendo estudados. Atribuir aumento de mortalidade por todas as causas à vacina de COVID, antes de lidar com as causas mais imediatas, excluir sazonalidade, distribuição etária, aumento de adoecimentos epidêmicos ou endêmicos, ALÉM DA PRÓPRIA COVID é, na melhor das hipóteses, um erro metodológico de iniciante, na pior delas é má-fé de uma agenda de desinformação.

Respondi:

Mauro, é tanta groselha que você escreveu, e fazendo pose de sabidão, que é até difícil saber por onde começar. E o melhor jeito, talvez, seja eu fazer uma lista de todas as bobagens que você disse durante esta discussão, o que é particularmente interessante como um retrato dos momentos atuais, afinal, eu sou apenas um paciente comum e estou provando que o médico, estatístico e epidemiologista, tudo em uma federal, além de pesquisador no exterior, se agarra em crenças pessoais e slogans de marketing para sair dando opiniões por aí.

Vou tentar ser curto também, porque você partiu para o excesso de texto para tentar vencer no cansaço. Será num formato de “fact checking”.

Lista de bobagens factuais ditas por Mauro:

1 – acusação que são algumas mortes cardiológicas em milhões de vacinados.

O que você escreveu: “Por fim, você citou uma outra cereja famosíssima do bolo, a agulha no palheiro dos anti-vaxers. Alguns relatos de cerca de poucas dezenas de causas cardíacas entre milhões de vacinados que podem ser maiores que no controle”.

O fato: eu falava do estudo da Pfizer, do resultado de 6 meses. É o principal estudo das vacinas. Não são milhões. São pouco mais de 22 mil em cada braço.

Aí quando atualizaram o número na FDA, deu 21 mortos no braço vacina e 17 no placebo. Que surpresa, né? Piorou depois. E que surpresa, piorou mais ainda, virou 22 a 16.

Portanto, neste item 1, você simplesmente falou groselha. E outra. É um caso inédito morrer mais gente no braço vacinado e mesmo assim comercializarem o produto.

2 – Vacina COVID-19 se mostrando robusta e segura.

O que você disse:  “Estamos já na fase 4 e as vacinas têm se mostrado robustas e seguras. Se houvesse algo na fase 4, já se teria notícia dados os bilhões de vacinados”.

O fato: eu te passei o estudo da Cleveland Clinic, o segundo centro hospitalar mais importante dos EUA. Eles fizeram um estudo com 40 mil funcionários. As evidências? Quanto mais doses você toma, maior sua chance de contrair COVID. Imprining imunológico, meu caro. Como depois que te passei este link você continua repetindo um slogan de marketing de vendas do produto? 

3 – Vacina eficaz para reduzir internações e óbitos por COVID-19

O que você disse: “em geral, vacinas para síndromes gripais (que é o caso da COVID) tem uma pirâmide de eficácia pior na base e maior quanto mais grave é o desfecho. A eficácia costuma ser muito alta para óbitos por COVID. A eficácia para internações menor, mas também mais alta”.

Fato: estávamos discutindo especificamente a vacina da Pfizer, mas o pessoal da sua igreja não consegue discutir uma determinada vacina, mas no plural, não é mesmo?

Sabe o que deu de resultado para redução de mortes para COVID nesse estudo? Morreu uma pessoa de COVID no grupo vacinado e duas pessoas de COVID no grupo placebo. Agora te falo mais, enquanto dou risada das pessoas que tentaram me enganar, não conseguiram, e enganaram você. Com esse resultado sem significância estatística nenhuma, saíram manchetes: vacina Pfizer reduz mortes. É nisso que você está acreditando até hoje. Porque deseja acreditar.

E esse resultado está assim, horroroso, mesmo tendo ocorrido fraude no estudo, conforme noticiado pela BMJ, uma das mais respeitadas revistas médicas do mundo. Ou seja, eu não vou ficar surpreendido se esses dados horríveis, após alguma investigação mais aprofundada, ficarem piores ainda.

Ou seja, caro Mauro, você vive num mundo de fantasia. Seu desejo é que essas vacinas tivessem todas essas qualidades que você diz. Mas a realidade não funciona na base de pensamento positivo. A realidade funciona com ciência e com dados.

Acho muito engraçadinho, inclusive, tudo que você fala ser descolado da realidade, ser baseado em vozes na sua cabeça, e ainda achar que pode fazer piadinha com “terra plana”. Está aí, provei com evidências sólidas todo o seu mundo de fantasia.

Eu também gosto de usar exemplos sobre gente que acredita que a terra é plana. E gosto de juntar frases que são verdades insofismáveis.

Dou uns exemplos:

A terra é redonda e a indústria farmacêutica não se importa em deixar gente morrer quando rola lucro. E nunca dá nada.

A terra é redonda e a indústria farmacêutica é o maior lobby do mundo, e certamente não é o lobby da ciência.

A terra é redonda e a indústria farmacêutica corrompe todo mundo até existir uma “ilusão”.

Mas o que eu disse achar engraçadinho, de você viver numa realidade paralela, repetindo as vozes na sua cabeça, na verdade, Mauro, é o grande sinônimo de uma desgraça monumental.

Isso aqui não é um debate entre eu e você, e que suas posições são baseadas em alucinação e slogans de marketing, e eu aqui desmontando cada bobagem que você diz. Veja o contraste. Você é médico, epidemiologista e estatístico formado em uma Universidade Federal importante. Eu sou apenas alguém que inventou de estudar esse assunto durante a pandemia para sair vivo dela. Nada mais que isso.

Era para você ser o cão de guarda de toda a sociedade. E você falhou miseravelmente nisso. Nem sabe do que se trata e se meteu a falar. Você está mais perdido que azeitona na boca de banguela.

E o pior, você sai atacando os professores das Universidades Públicas, como o Zanotto, que não se recusou a estudar e tentar proteger a sociedade da sanha da indústria. E ao fazer isso, com arrogância, inclusive, não dá para saber se você é apenas um desonesto intelectual ou entrou em delírio completo. Torço para que seja o segundo item, porque o segundo tem salvação.

Tenho que lembrar da frase de Jerry Kassirer, ex-editor do New England Journal of Medicine, que argumentou que a indústria “desviou a bússola moral de muitos médicos”. Tomara que não seja o seu caso.

Espero que a verdade seja outra: que o poder da indústria farmacêutica, misturado com o medo generalizado de uma doença em uma sociedade, tenha apenas, como se fosse pouca coisa, desviado gravemente a capacidade cognitiva de muitos.

Um abraço

Conclusão

Agora acho que todos entendem o motivo de os “defensores da ciência” fugirem de qualquer tipo de debate. Este caso foi uma exceção. Chama a atenção que ele, durante toda essa discussão, não tenha citado um estudo científico qualquer para sustentar o que diz. Enquanto o “lado de cá” argumenta baseado em dados e mostra estudos, eles repetem slogans prontos tomados como verdades absolutas.

Ao que tudo indica, parece existir um fenômeno interessante. E este fenômeno atinge uma grande parcela da população de modo semelhante, não importando se é especialista ou não. A imensa maioria das pessoas, ao ouvirem a palavra “vacina”, entendem como um chamado, algo como: “Vacina? Preciso defender”, em modo automático. Ou seja, as pessoas previamente já tomam um lado: o dos vendedores.

E a indústria se aproveita desta resposta emocional, porque se as pessoas estão no modo “preciso defender”, elas desligam o senso crítico e não ficam atentas aos montes de patifarias, fraudes e dados evidentemente ruins. É tudo um fenômeno humano. Demasiadamente humano, porque, inclusive, as pessoas se sentem automaticamente inteligentes ao terem essa atitude.

A mim, resta dar os parabéns aos departamentos de marketing das grandes indústrias farmacêuticas. Os caras são realmente bons no que fazem.


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