Na civilização ocidental, até a Revolução Protestante, a validação da ciência e das políticas públicas baseava-se nos dogmas da Igreja Católica, personificados pela autoridade papal. Com o surgimento das igrejas protestantes e a interpretação livre das escrituras, a verdade foi submetida à relativização através das diversas visões teológicas dos reformadores, personificadas no monarca, líder da igreja nacional e máxima autoridade religiosa e política. A Revolução Francesa marca a transição do poder e da autoridade das monarquias para o controle do parlamento e a instauração da democracia liberal.

A autoridade para determinar o bem e o mal, o certo e o errado, que antes estava nas mãos da autoridade religiosa e da realeza, foi deposta pela verdade relativa conduzida por filósofos e cientistas. A busca pela verdade na filosofia é dialética, caracterizada pelo confronto de argumentos. Por outro lado, a ciência busca apenas explicações materialistas e mecanicistas para os fatos e experiências empregando uma metodologia adequada à melhor tecnologia disponível.

A abordagem da ciência moderna parte de casos individuais e de sua multiplicidade para coletivos (processo de indução), avançando então para a formulação de leis gerais. A ciência, por definição, não se autodeclara como detentora da verdade, o que impossibilitaria o progresso científico e as mudanças de paradigmas que ocorrem ao longo do tempo.

A medicina e as políticas públicas de saúde modernas baseiam-se na ciência para uma base teórica e prática relativamente sólida. No entanto, surge a questão de como confiar em algo que é relativo, resultante do contínuo debate dialético que ocorre – ou deveria ocorrer – nas universidades e nos eventos científicos realizados pelas diversas associações médicas nacionais, internacionais, mundiais e supranacionais.

Para resolver esse dilema, foram estabelecidos, logo após a Revolução Francesa, com base no exemplo da Royal Society britânica, os comitês científicos. Esses comitês têm como objetivo fornecer embasamento para as decisões governamentais e orientar a prática da medicina.

Karl Popper (1902-94) atuou como professor de lógica e método científico em Londres. Em sua obra “A Lógica da Descoberta Científica” (1934), ele ressalta a ameaça do autoritarismo intelectual como um obstáculo ao desenvolvimento da ciência. Popper adverte que a verdade não reside no domínio da ciência, e os cientistas não devem tomar teorias e conclusões como dogmas, pois uma nova teoria pode surgir para melhor explicar os fenômenos, aproximando-se mais da verdade com novas conclusões, processo que caracteriza o progresso da ciência.

Além da preocupação expressa por Popper, existe também o risco de a medicina ser influenciada por interesses financeiros, políticos e ideológicos, que podem estar presentes em associações médicas especializadas e comitês científicos. Isso pode comprometer a autonomia dos médicos e minar a prática da medicina baseada em evidências científicas, na arte e na ética médica.

O consenso científico é a opinião da maioria em relação a um tema científico, dá-se pelo voto democrático. Pode ser a maioria dos diretores eleitos de uma associação médica especializada, um comitê da ANVISA ou um comitê de pessoas (muitas vezes não especialistas) designado por autoridades políticas como prefeitos, governadores, presidentes ou congressistas. Portanto, tais consensos devem ser alvo constante de avaliações críticas e desconfiança, dada a possibilidade de conflitos de interesses financeiros e políticos.

Para alcançar um consenso científico de maneira mais honesta e minimizar vieses, é preciso realizar debates científicos entre estudiosos que defendem diferentes posições sobre o tema. Esses debates devem ser abertos a todos os profissionais da área e a todas as pessoas interessadas, não deve haver segredo e nem proibição de acesso ao conhecimento. Em seguida, para obter uma perspectiva mais abrangente e representativa, pode-se realizar uma enquete envolvendo todos os profissionais da área. Esses profissionais, que baseiam sua prática médica na ciência, na arte e na ética médica, contribuiriam assim para a formação de um consenso provisório mais robusto e confiável.

Se concordarmos com a afirmação de que os médicos são simples executores de diagnósticos baseados em organogramas e aplicadores de protocolos de tratamento concebidos por diretores de associações médicas financiadas por indústrias farmacêuticas ou por comitês científicos ligados a governantes ou organizações ideológicas supranacionais, estaríamos admitindo que vivemos numa farsa, onde a prática médica é uma encenação, e os médicos são atores simulando ter conhecimento, a medicina de “receitas de bolos” criados por aqueles que servem a grupos financeiros, políticos e ideológicos.

É fundamental incentivar o debate científico em diversos fóruns, como na grande mídia, nas redes sociais, no congresso nacional e nas assembleias legislativas. Isso permitirá que os médicos, a população e os políticos formem suas próprias opiniões sobre temas relevantes embasados em evidências científicas e éticas. Além disso, é imperativo não presumir que pessoas não especializadas não tem capacidade intelectual para adquirirem conhecimento. Nos últimos 4 anos artistas, políticos, biólogos, jornalistas e bilionários emitiram suas opiniões como se fossem especialistas, no entanto o que foi proibido pela grande mídia e redes sociais foi exatamente a exposição de argumentos científicos sólidos em debate franco e aberto. Respeitar a dignidade humana implica tratar os outros como gostaríamos de sermos tratados, defendendo as liberdades individuais, a liberdade de expressão e responsabilidades. Caso contrário, estaríamos relegando os cidadãos a um status inferior, assemelhando-se a animais ou escravos.

Um consenso científico que censura ou nega antecipadamente o contraditório não é verdadeiramente científico; é, na verdade, ideológico e com motivação política de viés totalitário. O confronto de ideias é essencial, pois expõe as fragilidades da propaganda que busca estabelecer certezas científicas inquestionáveis.