Ah, os divulgadores científicos, heróis da pandemia, aqueles que empunharam a bandeira da ciência contra as hordas da desinformação. O mundo inteiro assistiu enquanto eles denunciavam os negacionistas, defendiam as vacinas e nos guiavam pela tempestade da COVID-19. Mas agora, um mistério intrigante paira no ar: por que esses campeões do conhecimento permaneceram tão estranhamente silenciosos em relação à série “O Império da Dor” na Netflix?

Vamos recapitular: “O Império da Dor” é uma minissérie dramática que nos leva a uma viagem sinistra pela epidemia de opioides que assolou os Estados Unidos. Baseada no livro de Beth Macy, a trama revela os horrores da Purdue Pharma, uma gigante farmacêutica que lançou o OxyContin em 1996. Eles afirmaram que seu medicamento era menos viciante que outros opioides, mas é claro que isso era apenas um truque de mágica em um circo de horrores farmacêutico. A série expõe os crimes da indústria farmacêutica de maneira escandalosa. Resultado? Muito lucro e 650 mil pessoas indo comer capim pela raiz. 

Mas, voltando ao mistério: por que nossos amados divulgadores científicos, que nunca hesitaram em nos lembrar de seguir a ciência, ignoraram completamente essa série? A “Revista Questão de Ciência”, de Natalia Pasternak e Carlos Orsi, conhecida por sua língua afiada contra os negacionistas, sequer mencionou a série em seu site. E Natalia, que possui uma coluna semanal em “O Globo”, um dos maiores jornais do país, preferiu manter sua opinião sobre o OxyContin em segredo. Será que ela resolveu abandonar a ciência?

Até mesmo Atila Iamarino, cuja voz ecoa para mais de um milhão de seguidores no Twitter, pareceu ignorar a série. E os professores das universidades públicas, que foram os pilares da defesa da ciência durante a pandemia, mantiveram um silêncio desconcertante. Será que o poder da “big pharma” os fez recuar?

As desculpas habituais não se aplicam aqui. A série foi lançada há mais de um mês, eliminando a desculpa da falta de tempo. E a relevância não pode ser subestimada, já que a série atraiu a atenção não apenas por seu elenco estelar, mas também por ser considerada um golpe contra a máfia dos opioides, conforme destacado pelo Estadão. “‘Império da dor: Repercussão da série se torna maior golpe contra máfia dos opioides nos EUA”. Além disso, 650 mil mortos não parece ser pouca coisa, certo?

O que é ainda mais curioso é que um repórter de música, Julio Maria, e não Fabiana Cambricoli, jornalista especializada em saúde e mestra em Saúde Pública, escreveu sobre a série no Estadão. Isso nos leva a questionar se defesa pela ciência e saúde deixou de estar em seu escopo. Justo ela, que costumava ser um general na guerra contra charlatões.

O que fica claro no texto de Julio Maria no “Estadão” é que estamos lidando com “uma história real, bloqueada por anos”. Essa constatação nos conduz a uma reflexão profunda sobre o poder da indústria farmacêutica. Será que esse poder fez com que muitos ficassem em silêncio diante da exposição dos crimes da “big pharma”?

E na “Veja”, a maior revista do país, nenhum artigo foi escrito pela repórter de saúde, Chloé Pinheiro. Ficou para o povo que escreve sobre entretenimento, discutindo banalidades. Será que ela abandonou sua batalha heróica pela ciência e saúde? E o Jornal da USP, que supostamente está lá para defender a ciência, não deu um pio sobre a série.

Este silêncio é ainda mais desconcertante porque a série “O Império da Dor” não incluiu, entre os personagens, os divulgadores científicos que, na época, defendiam o OxyContin repetindo mantras de “seguro e eficaz”. Eles costumavam evocar a “ciência”, elogiavam o rigor das agências regulatórias como a FDA, explicavam sobre periódicos “de impacto” e rotulavam os críticos como “negacionistas”.

Bem, se esses personagens tivessem sido filmados, os leitores poderiam até, possivelmente, ligar uns pontos. Poderiam questionar se a história não estaria se repetindo, não é? Mas mesmo assim eles não divulgaram. Nem compartilharam as matérias dos colegas de redação.

Mas eu entendo o roteirista deixar os divulgadores de ciência de fora da série. Ficaria inverossímil. Iria se assemelhar a uma comédia no estilo pastelão. Afinal, eram muito paspalhos.

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