A história da hidroxicloroquina (HCQ), a molécula octogenária de uso versátil na medicina, remonta uma formulação química aprimorada da cloroquina (CQ), mas foi o seu composto base, a quinina, que marcou a humanidade por cinco séculos como única terapêutica eficaz para combater um protozoário até então desconhecido, o da Malária.

O Ocidente conheceu a quinina durante a conquista do Império Inca pelos espanhóis no final do século XVI e início do século XVII. A “quina-quina” como os indígenas peruanos a conheciam e preparavam, era uma espécie de infusão com as lascas das cascas da árvore cinchona.

Reza a lenda espanhola que um soldado se curou de malária numa floresta da América do Sul, ao ingerir a água amarronzada de um rio banhado pelas cascas da cinchona. Pouco tempo depois, os jesuítas usavam o extrato em pó da quinina para tratar o “mal aire” (traduzido do italiano, mal ar) que depois virou a conhecida malária. Naquela ocasião não se tinha conhecimento de que a doença era transmitida por um protozoário através da picada do mosquito Anófeles.

A informação se manteve no círculo jesuíta até que o chá indígena curou a febre terçã da condessa de Chinchón, esposa do vice-rei do Peru em 1638. Assim, a notícia se espalhou, não só na realeza, mas pelo mundo. A matéria prima da árvore sagrada encontrada apenas nas florestas andinas da América do Sul, cruzou o oceano Atlântico e ganhou a Europa e a Ásia.

Em 1645, o Padre Bartolomeu Tafur  levou as cascas da cinchona para Roma, época em que as mortes por malária aumentavam e preocupavam a realeza, inclusive, vitimou o Papa Inocêncio. Já consolidada como milagrosa, após o conclave de 1655 não havia mais registros de mortes  depois da quinina, o que deixou os Clérigos mais seguros. Naquele ano, o pó da casca da cinchona chegou na Inglaterra e a cura da malária virou assunto de disputa religiosa entre católicos e protestantes.

Aos poucos, a busca pela matéria prima da quinina crescia ao redor do mundo, pela venda das cascas como também do plantio da cinchona. As tentativas de monopolizar a quinina geraram conflitos ao longo do tempo com a proibição da venda de sementes, comércio clandestino e confisco em tempos de guerra. Só esse fato mostra o poder da casca dessa árvore.

Com o passar do tempo, a árvore era cultivada em vários locais do mundo, mas ainda com baixa concentração do princípio ativo. Isso manteve o interesse no produto andino. O princípio ativo da quinina só foi isolado no século XIX pelos franceses. Isso viabilizou sua manufatura e administração em pílulas. Classificado como alcalóide da classe dos quinolínicos. Nessa época, o comércio andino já estava em decadência.  Em 1880, os holandeses monopolizavam o mercado mundial de quinina.

No século XX, a busca pelo substrato da quinina se manteve em alta, assim como uma corrida por novos antimaláricos, mais seguros e eficazes. Na 1a guerra mundial, devido ao surto de malária no front de guerra, a indústria farmacêutica conseguiu progressos, mas ela continuou sendo a droga mais importante no combate à doença.

No final da 1a guerra, o mundo ainda enfrentava a pandemia de gripe espanhola em 1918 e o sal de quinino foi indicado pela sabedoria popular, fatos registrados em jornais da época. A gripe espanhola recebeu esse nome porque seu primeiro surto amplamente divulgado foi na Espanha. Isso não significa que o vírus tenha surgido lá. Um caso emblemático de fakenews, talvez o primeiro na história. E a busca por novas moléculas, só aumentava em virtude dos efeitos colaterais do pó de quinino.

A Alemanha, uma das derrotadas na 1a guerra, privada de suas possessões coloniais pelo Tratado de Versalhes, buscou através das farmacêuticas elaborar antimaláricos sintéticos. Foi aí que a Bayer recebeu forte apoio dos nazistas que consideravam o empreendimento militarmente relevante. Em 1939, essa farmacêutica patenteou dois novos compostos: a resochina e a sontoquina.

Essas moléculas foram testadas em soldados, mas foram as pesquisas com  injeção do plasmódio que levou alguns pesquisadores alemães à corte de Nuremberg. A resochina, desenvolvida ainda em 1934 pelo químico da Bayer Hans Anderson, seria rebatizada posteriormente de cloroquina.

Paralelamente, a busca pela molécula aconteceu em outros campos, inclusive de batalha. Em 1940, os nazistas ao invadirem a Holanda, imediatamente confiscaram toda a reserva de quinina existente na Europa. Pouco depois o Japão, aliado de Hitler, conquistou Java o que deixou os países aliados numa situação mais crítica e levou o conflito ao extremo.

A malária era um dos grandes males do planeta. “Em 1945, quase dois bilhões de pessoas no mundo viviam em áreas maláricas, e em alguns países 10% da população estava infectada”. Contam os químicos e escritores Penny Le Couteur e Jay Burreson, que nesse ano uma série de experimentos com as novas moléculas foram realizados por pesquisadores norte-americanos em populações castigadas pela malária como em presídios.

Em 1946, a CQ tornou-se acessível à população civil, mesmo ano em que foi desenvolvida a HCQ. A molécula CQ ganhou uma hidroxila e se tornou menos tóxica com aplicações além do tratamento e profilaxia da malária, também nas doenças reumatológicas e dermatológicas. O combate à malária no norte do Brasil é impensável sem os quinolínicos mesmo com alguma resistência do plasmódio.

Os efeitos benéficos dessas drogas não se limitam em eliminar o plasmódio responsável pela malária, mas também suas propriedades antiinflamatória e imunomoduladora. Com o tempo descobriu a aplicação em doenças virais.

Em relação a segurança da droga e uso em outros vírus, o combate à microcefalia por contaminação de gestantes contra zika vírus no nordeste só foi possível com a HCQ. Também usada para prevenir e tratar gestantes contra a malária. Diferente do que foi falado na velha mídia, de que gestantes não podiam usar essa medicação.

Além do seu efeito benéfico isolado da HCQ para Covid-19, seu uso em conjunto com outros medicamentos se tornou ainda mais eficaz, como demonstrou na sua prática clínica,  o saudoso médico ucraniano radicado nos EUA, o Dr Vladimir Zelenko. Sua frase ficou célebre: “a HCQ é a arma, o zinco é a bala”. Destacando que a hidroxicloroquina é inófora do zinco, ou seja, ajuda a transportar o zinco para dentro da célula.

Só para listar outros mecanismos de ação da molécula tem a capacidade de promover glicosilação da molécula de adesão viral aos receptores ACE2 (Enzima Conversora de Angiotensina 2). Ainda, eleva o pH interno de endossomos/lisossomos que poderia comprometer a atividade de enzimas chave para a liberação do material genético viral. Esse último processo viral, importantíssimo na via endocítica, muito usada pela variante Omicron, por isso mesmo a droga voltou a ser usada por médicos hipocráticos, aqueles que não descontinuaram o uso de medicamentos genéricos, baratos sem patente, por influência da indústria farmacêutica.

A pesquisa do professor Didier Raoult de Marselha, na França, um dos primeiros defensores da HQC associada a Azitromicina no combate a Covid-19 subiu um importante degrau na medicina baseada em evidência ao publicar um estudo com mais de 30.000 pacientes avaliados. Uma vitória depois de tanta difamação pela grande mídia que passou pano para erros bizarros na condução da pandemia, ao contrário, esse pesquisador tem um index-h de 179. Esse estudo, já na fase final publicado em pré-print, ainda aguarda a revisão de pares. Enquanto isso, um estudo brasileiro foi publicado numa revista de impacto já revisado por pares com uso dessas medicações no último 11 de abril.

Afinal, o que aconteceu durante a pandemia para uma droga cujo uso em curto período de dias é extremamente seguro, tornando os efeitos colaterais cumulativos próximos de zero? Infelizmente, nessa pandemia, a retratação dos estudos sempre teve um espaço minúsculo em comparação a toda difamação sofrida. Esse será o tema central da parte II – Podemos voltar a falar de cloroquina?

Fontes:

 

Comentários do Facebook