Em 10 de fevereiro de 2023, foi veiculada uma matéria no site g1, da Globo, uma exposição sobre o novo produto com efeitos prometidos de imunização contra a COVID-19 – com abrangência de ação para as subvariantes Ômicron, BA.4/BA.5 – denominado “vacina bivalente” baseada em mRNA (RNA mensageiro) da Pfizer (Garcia 2023).

Presumivelmente, ela encerra uma tentativa de aprimoramento da primeira versão criada para a cepa original!

Independente dos diferentes posicionamentos dos envolvidos na matéria, que são livres para expressarem suas opiniões – e que elas não justifiquem imposições, pois o momento é de incerteza – bem como de outros fatores que dispensam delongas, como, por exemplo, o momento epidemiológico, existem sim razões importantes para que tenhamos reservas quanto à efetividade e segurança da vacina bivalente contra Covid, a saber:

1 – Das evidências sobre a efetividade e a segurança das versões primárias, tanto para adultos como para crianças, quando de suas aprovações:

As aprovações de produtos visando à imunização contra a Covid-19, no contexto da ampla e irrestrita distribuição, foram realizadas de forma prematura e acrítica, a exemplo da decisão disponível no relatório de recomendação No 634, do Ministério da Saúde (Brasil 2021), em julho de 2021, sem as devidas ressalvas. Ou seja, no contexto da rigorosa e ética pesquisa científica.

Ela, a referida diretriz, foi baseada na análise de dados de estudos ainda em fases incipientes, sendo o desfecho primário eleito por seus autores a imunogenicidade, que, em realidade, constitui desfecho secundário, quando em análises de efetividade. Todos eles possuíam caráter de eficácia, não de efetividade, nos quais as coletas de dados não haviam sido finalizadas à época da publicação do relatório, citando-se os seguintes registros de estudos: NCT04324606, NCT04400838, ISRCTN89951424, NCT04444674, NCT04516746, NCT04536051 (AstraZeneca), NCT04368728 (BNT162b2 mRNA).

Todos os estudos estavam em andamento ou recrutamento, tendo sido utilizados resultados parciais, tempo máximo de seguimento de 56 dias e imunogenicidade como desfecho principal (reiterando este importante aspecto), o que soa deveras estranho, diante da forma incisiva com que a disseminação da tecnologia vem sendo imputada.

Neste contexto, há de se considerar a nítida falta de transparência para com a população leiga, em relação às repercussões clínicas entre vacinados, sendo eles participantes ou não de estudos clínicos, conforme bem denunciado por Tanveer et al. (2022), em artigo publicado no Jornal Médico Britânico, em agosto de 2022, e corroborado, por exemplo, por Hromić-Jahjefendić et al. (2023) e tantos outros relatos disponíveis em meios diversos.

Curiosamente, um cenário igual e potencialmente trágico é observado para o subgrupo populacional constituído por crianças.

No relatório do Ministério da Saúde, intitulado “Vacina Covid-19 (Pfizer/BioNTech) para imunização ativa de crianças na faixa etária de 6 meses a 5 anos incompletos para a prevenção da Covid-19” (Brasil 2022), é possível observar que a decisão de recomendação da vacina foi, mais uma vez, produto de um trabalho acrítico, balizado por processo de copy and paste do posicionamento de instituição internacional concebida como autoridade em saúde (Center for Disease and Control, CDC). Nele, três elementos chamaram bastante a atenção: i) inacessibilidade do estudo primário que motivou o CDC a recomendar o produto; ii) menção a um suposto baixo poder amostral, ainda que o estudo não fora acessado; iii) menção a um suposto tempo de seguimento insuficiente. Ainda que isolados, cada qual seria suficiente para que não se procedesse com a recomendação do produto, exceto em caráter estritamente ético e de experimentação.

2 – Tecnologias novas e já existentes devem ser constantemente reavaliadas.

Estudantes, pesquisadores, gestores, jornalistas e público leigo, saibamos e lembremos do seguinte: o processo de refutação de hipóteses é um contínuo, e deve ser feito de modo descentralizado. Portanto, a tecnologia bivalente está contida no necessário processo de testagem, juntamente com a versão ancestral.

Foi-se o tempo – e há tão pouco tempo (!) – que ensinávamos, sem medo e seguramente, o paulatino caminho das avaliações tecnológicas em saúde aos moldes da rota dos “3T’s” (Dougherty & Conway, 2008), que vai da pesquisa básica à pesquisa de desfechos no sistema de saúde como um todo, passando pelos estudos de eficácia procedidos pelos de efetividade. Hoje, propagar tal rito científico para a questão atual virou motivo para desconfianças, adjetivações pejorativas e até escárnio.

Tecnologias novas e já existentes devem ser frequentemente reavaliadas, em esforços colaborativos, e isso deve envolver vários atores, visando à segurança do paciente, nos serviços e sistemas de saúde, conforme muito bem e outrora recomendado pelo Institute of Medicine (US) Committee on Quality of Health Care in America (1999), em livro intitulado “Errar é Humano: Construindo um sistema de saúde mais seguro”, do inglês, To Err is Human: Building a Safer Health System.

E de quem é a culpa pelo estabelecimento desses conflitos desnecessários?

Bem, para a situação atual, farei das antigas palavras do saudoso Sir Iain Chalmers, para situações mais genéricas, as minhas (Chalmers 2005):

Research funders, academia, researchers, research ethics committees and scientific journals are all complicit.

Tradução livre: Os financiadores de pesquisa científica, as academias, os pesquisadores, os comitês de ética em pesquisa e as revistas científicas são todos cúmplices.

The failure to conduct that assessment represents a lack of scientific self-discipline that results in an inexcusable waste of public resources.

Tradução livre: A falha em conduzir tais avaliações representa ausência de autodisciplina científica, que resulta em dispêndio indesculpável de recursos públicos.

Conclusão

As circunstâncias aqui expostas denotam que todo o juízo incisivo de “certeza” sobre um balanço favorável entre efetividade e segurança dos produtos denominados imunizantes baseados em mRNA para a Covid-19, sejam eles mono ou bivalentes, tem sido baseado na fé depositada em autoridades institucionais, não por evidências científicas adequadas, pois transbordam as manifestações de pressa, falta de transparência e censura ao contraditório, culminando em detrações de indivíduos, ao invés de debates científicos salutares e edificantes.

Por fim, os elementos aqui expostos estão longe de serem evidência direta de que os danos associados à tecnologia em questão superam os benefícios prometidos (ou vice-versa), pois a clara e notória ausência de uma tão desejada demonstração não significa que o fenômeno não exista (relação benefícios versus malefícios, favorável ou não). Em outras palavras, a conhecida frase: “ausência de evidência é diferente de evidência de ausência de efeito”. 

Que as tecnologias propostas nos tragam benefícios, mas que sejam passíveis de adequada demonstração!!!

Referências bibliográficas

Brasil. Ministério da Saúde do Brasil. Vacina da fiocruz [chadox-1 (vacina covid-19 recombinante)] e da PFIZER/WYETH [BNT162B2 (vacina COVID-19)] para prevenção da COVID-19. Junho de 2021. Ministério da Saúde do Brasil. CONITEC. Disponível aqui. Acessado em 02 de abril de 2023.

Brasil. Relatório de recomendações: Vacina Covid-19 (Pfizer/BioNTech) para imunização ativa de crianças na faixa etária de 6 meses a 5 anos incompletos para a prevenção da Covid-19. 2022. Ministério da Saúde do Brasil. CONITEC. Disponível aqui. Acessado em 02 de abril de 2023.

Chalmers I. The scandalous failure of science to cumulate evidence scientifically. Clinical Trials. 2005;2:229-231 

Dougherty D, Conway PH. The “3T’s” road map to transform US health care: the “how” of high-quality care. JAMA. 2008.  21;299(19):2319-21.

Garcia M. Atualização de vacina bivalente contra Covid é eficaz e segue rigor científico; entenda; 10 de fevereiro de 2023. Coronavírus. Vacinas contra coronavírus. Disponível aqui. Acessado em 02 de abril de 2023.

Hromić-Jahjefendić A, Barh D, Uversky V, Aljabali AA, Tambuwala MM, Alzahrani KJ, Alzahrani FM, Alshammeri S, Lundstrom K. Can COVID-19 Vaccines Induce Premature Non-Communicable Diseases: Where Are We Heading to? Vaccines (Basel). 2023 Jan 17;11(2):208. doi: 10.3390/vaccines11020208. PMID: 36851087; PMCID: PMC9960675.

Institute of Medicine (US) Committee on Quality of Health Care in America. To Err is Human: Building a Safer Health System. Kohn LT, Corrigan JM, Donaldson MS, editors. Washington (DC): National Academies Press (US); 2000. PMID: 25077248.

Tanveer S, Rowhani-Farid A, Hong K, Jefferson T, Doshi P. Transparency of COVID-19 vaccine trials: decisions without data. BMJ Evid Based Med. 2022 Aug;27(4):199-205. doi: 10.1136/bmjebm-2021-111735. Epub 2021 Aug 9. PMID: 34373256.


 

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