Com todo o respeito, prezado, eu sei que não chego nem aos seus pés em termos de MBE, mas ao mesmo no que tange à sua aplicação à medicina, disso talvez eu saiba um pouco.
Por isso, permita-se trazer alguns pontos para reflexão. Com todo o respeito.
Dentro da pirâmide da MBE, a melhor evidência disponível pode ser usada. E a melhor evidência disponível não é sempre a evidência que está no topo para determinada doença. Se esta não estiver disponível para utilização, o que vem a seguir pode e deve ser usada, a depender do caso.
Isso sem levar em consideração um aspecto fundamental da COVID-19, que dentro da boa prática da MBE, deve ser considerado: sua fisiopatologia.
A fisiopatologia da COVID-19 tem duas características: é complexa e varia muito de acordo com a variante.
Mesmo com as “novas” classificações de trials que, cabe ressaltar, não estão previstas na MBE, e que dificultam ainda mais a condução de trials de drogas sem patentes devido ao custo para atender às novas “exigências”, algum grau de melhora com a ivermectina ainda é observada.
Dizer, diante disso, que ivermectina “não funciona” e que “não pode ser usada” está possivelmente entre as formas mais imprecisas e não condizentes com a própria MBE, uma vez que a direção de efeito é notadamente positiva.
Conclusões mais adequadas poderiam incluir: possível/provável efeito, embora periférico, e tendo-se em vista a complexidade da fisiopatologia, trials com combinações terapêuticas que tenham ações sinérgicas são encorajadas. Diante da ausência de alternativas terapêuticas, do perfil de segurança extremamente consolidado, do baixo custo (custo mais baixo que medicamentos para sintomas) e da evidência que tende a mostrar benefício (esta sim e a análise mais precisa), o seu uso deve ser opcional, em casos selecionados, em caráter individualizado, e potencialmente, sua indicação generalizada, embora alguns ainda julguem insuficiente para seu uso rotineiro. De qualquer forma, sua prescrição não deve ser cerceada, dadas as justificativas acima.
Chamar, desta forma, ivermectina de “freestyle prescription”, pode soar uma confissão da não plena capacidade de entendimento dos capítulos que não os de ECRs do MBE.
Além disso, hoje restam poucas dúvidas que o nível de eficácia de uma droga para COVID-19 é variante-dependente. Eu mesmo digo que para a variante ômicron, os anti-androgênicos funcionariam pouco ou nada, exceto por possíveis atividades anti-inflamatórias e imunomoduladoras secundárias.
Desta forma, pensar “fisiopatologicamente”, ou seja, exercer a medicina fora dos guias médicos, diante de tantas incertezas acerca das características e das respostas, não deve ser somente condenável, mas pode ser inclusive estimulada – o que, nem de perto, é “freestyle prescription”, porque existe um racional e praticamente sempre algum nível de evidência já dando o suporte. Isso, obviamente, na ausência de medicamentos factíveis que sejam demonstradamente superiores e cujas mudanças no vírus não predigam perda de eficácia. Isso faz parte das boas práticas da MBE aplicada à medicina, sem que esta torne-se escrava da análise descontextualizada do ponto de vista da fisiopatologia e, do mais importante, daquele paciente de risco mais alto que não pode esperar.
O perfil de segurança da ivermectina, essa sim é praticamente inquestionável. Questioná-la é basear-se em matérias sensacionalistas em que os médicos que a acusaram carecem de formação básica na medicina, entre elas as de diagnóstico diferencial, que naqueles casos tratavam-se da própria COVID-19.
Por isso, a condenação moral e a ridicularização dos prescritores de ivermectina está longe de condizer com a correta aplicação do MBE, além de ter objetivos destrutivos. Diminuir e chacotear aqueles cientistas que venham a ter discordâncias, além de parecer um pouco arrogante com ares de superioridade, vai diametralmente contra a prática correta da ciência. A história não nos deixa esquecer dos inúmeros casos que, embora seja claro que determinado pensamento estivesse correto por estarmos distantes das situações passadas, dentro daquele contexto naquele momento, os personagens só se repetem.
Agora, considerando que praticamente todas suas análises e de muitos outros coincidentemente sofreram forte influência e desigualdade no tratamento quando comparado a outras modalidades, é inegável o caráter enviesado da análise, o que é inerente ao ser humano. Trata-se, portanto, não de não haver viés, mas de termos honestidade científica de assumirmos que temos opiniões que levarão a influenciar nas análises. Eu mesmo digo que acredito que ela funcione como adjuvante.
Por isso, há uma significativa perda do caráter científico quando tais tipos de comentários aparecem. Para qualquer verdadeiro cientista, que consegue distinguir divergências de ideias das pessoas e ciência de política, tais comentários descredibilizam quem os fez.
Espero, com todo respeito, que nossa vaidade e nosso ego recolham-se momentaneamente para abrir um espaço para real reflexão dos pontos acima.