A médica Ana Carolina Peçanha Antonio, que identifica sua filiação institucional ao prestigiado e íntegro Hospital de Clínicas de Porto Alegre, juntamente com mais dois autores internacionais, Robin Mills e Greg Tucker-Kellogg, publicaram na plataforma Medrxiv, em 15 de agosto, um estudo usando dados fraudulentos com o objetivo de atacar a pesquisa da ivermectina feita em Itajaí, no litoral de Santa Catarina.

O estudo feito em Itajaí, revisado por pares e publicado no prestigiado periódico Cureus no início de 2022, concluiu pela eficácia da ivermectina no uso em profilaxia do medicamento contra a COVID-19. Os resultados foram positivos: entre as pessoas que tomaram ivermectina preventivamente houve 68% menos óbitos, 56% menos hospitalizações e 44% menos infecções.

Os dados falsos

O estudo de Ana Carolina e colegas, que visava refazer as contas e anular os resultados positivos, utilizou dados fraudulentos para atingir o objetivo. No artigo, eles afirmam que são dados oficiais. Os autores afirmaram que 499 pessoas foram a óbito entre julho e dezembro de 2020, período em que a eficácia da ivermectina foi estudada na cidade.

“Dados oficiais governamentais”é a tradução do primeiro destaque. “Entre as 1659 hospitalizações foram reportadas 499 mortes”, é a tradução do segundo destaque. Está na página 3 do PDF do artigo supostamente científico. Os dados são falsos.

Entretanto, são falsos os dados de 499 óbitos por COVID-19 durante os seis meses do estudo em Itajaí. Para chegarem no resultado desejado, o número de óbitos precisou ser inflado. Confira aqui o PDF original da reanálise, na página 3.

Como investigamos?

Os supostos 499 óbitos em seis meses, usado com base para os cálculos, geraram suspeitas, pois é um número muito elevado para o período em uma cidade com pouco mais de 200 mil habitantes. Com isso, a primeira coisa que fizemos foi pesquisar o arquivo de boletins epidemiológicos da cidade durante o período.

O boletim epidemiológico oficial, publicado no site da prefeitura de Itajaí em 28 de dezembro de 2020, informa, desde o início da pandemia, um total de 254 óbitos. Ou seja, esses são dados desde quando o vírus espalhou na cidade, no início de 2020. Portanto, os óbitos entre julho e dezembro são ainda menores, bem longe dos 499.

Em uma segunda pesquisa para conferir os números, fomos buscar os dados consolidados no SUS (Sistema Único de Saúde), no banco de dados OpendataSUS, considerado um dos mais completos e precisos do mundo. 

Os números OpenDataSUS:

Óbitos causados por SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave), com data entre julho e dezembro de 2020 entre residentes na cidade. Banco de dados baixado em 13/03/2023.

Por data de internação:
Óbitos totais de SRAG: 234
Óbitos apenas Covid-19: 222

Por data de início de sintomas:
Óbitos totais de SRAG: 256
Óbitos apenas Covid-19: 237

Por data de digitação:
Óbitos totais SRAG: 240
Óbitos apenas Covid-19: 222

Os números pelo Brasil.IO

Pelas informações do banco de dados Brasil.IO, que compila dados de casos confirmados e óbitos dos boletins das Secretarias Estaduais de Saúde (SES), no período do estudo de Itajaí, os dados foram:

Óbitos totais Covid-19: 227

Estudo fraudulento serviu para ataques

Os autores do estudo original possuem um longo histórico na ciência e reputações ilibadas. Lucy Kerr, a autora principal, além de tudo, é filha de Warwick Stevam Kerr, já falecido, e preza profundamente por seu legado. Warwick foi diretor Científico da FAPESP, foi presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, além de ter recebido a Ordem Nacional do Mérito Científico na classe Grã-Cruz. Outros autores incluem o Dr Flavio Cadegiani, pesquisador com diversos estudos da COVID-19, Dr Fernando Baldi, professor da Universidade Estadual de São Paulo (UNESP), Dr Pierre Kory, professor de medicina norteamericano, Dra. Jennifer A. Hibberd, da Universidade de Toronto, entre outros.

A partir da publicação da reanálise com dados fraudulentos, os ataques às reputações dos autores foram difamatórios. “Tem gente que prefere continuar acreditando em picareta“, afirmou Chloé Pinheiro, jornalista da Veja especializada em saúde.

Leandro Tessler, professor da Unicamp, que se propõe em nome da respeitada universidade a classificar o que é notícia verdadeira ou falsa na internet e que já assumiu que não leu estudos de tratamentos baratos, genéricos e sem patentes que criticou, afirmou que o estudo original positivo possuía “dados chunchados“. Além disso, Leandro atacou o periódico: “coisa pra Cureus“.

Artifício estatísico“, afirmou Julio Ponce, doutor em epidemiologia, e apresentador do PodCast “Escuta a Ciência” sobre os resultados positivos do estudo original.

Isaac Schrarstzhaupt, coordenador da Rede Análise, acusou a qualidade do periódico Cureus. Ele afirmou que a publicação original se encaixa entre as “revistas menores“, além de afirmar que disse deste modo “para não dizer outros termos“.

Autores originais sempre prezaram pela transparência

Os autores do estudo original da ivermectina em Itajaí, atendendo um chamado da BMJ – British Medical Journal, que pedia a publicação de dados públicos de estudos de medicamentos e vacinas, decidiram disponibilizar os dados brutos para reanálises.

A atitude foi elogiada. “É excelente que tenham divulgado os seus dados de forma anônima. Eles têm verdadeira confiança nos resultados das suas análises.  É assim que a boa ciência é levada a cabo.”, afirmou o Dr Harvey Risch, professor de epidemiologia da Universidade de Yale, EUA, ressaltando que os dados pessoais dos pacientes foram preservados.

Antes, a comunidade científica apostava que os autores não disponibilizariam os dados.

Médica ataca autores há tempos

Ana Carolina ataca há tempos o Dr Flavio Cadegiani, autor também de outros estudos com outros medicamentos contra a Covid-19, como a proxalutamida. Ela afirma que aquela pesquisa era uma “farsa”. Sobre o estudo que ela resolveu reanalisar agora, inserindo dados fraudulentos, Ana Carolina já havia se comprometido no começo de 2022 a desqualificá-lo. “Embaraço internacional”, afirmou na época, além de ironizar os pesquisadores, utilizando aspas para se referir a eles.

“Eles já haviam decidido que ivermectina não funciona. Daí eles tentaram – e fizeram muito esforço – para encontrar os cálculos que ‘se encaixassem’ à conclusão pré-estabelecida por eles. Isso é exatamente o oposto do que é a ciência, que trata de aceitar os resultados, sendo eles contrários ou favoráveis à hipótese. No intuito de encontrar os dados desejados, eles muito provavelmente esqueceram de olhar para as próprias análises – e ainda pior, para números básicos. Além disso, parece-me que não entenderam muito bem o estudo, tanto que eu não consegui encontrar as análises relacionadas às taxas a partir das infecções, pareadas para o Propensity Score Matching”, afirmou o Dr Flavio Cadegiani, um dos autores do estudo de Itajaí.

“O mais importante é que esse ‘estudo’, ao mostrar a incapacidade de nos invalidar, veio para reforçar os nossos achados, e por isso não podemos deixar de agradecer”, complementou. 

Comentário MPV

Fraude científica é apresentar dados sem comprovação como se fossem oficiais. E isso não foi um pequeno erro. Foi o dado central para gerar o resultado. Não é um simples erro que não altera os desfechos estudados. Para os autores atacarem o estudo e chegarem na conclusão de ineficácia, precisaram aumentar o número de óbitos.

Todos que atacaram na sequência, inclusive chamando os autores de “picaretas”, supostamente teriam a capacidade e formação para verem os números fraudulentos. São doutores, professores, epidemiologistas e cientistas de dados. Não viram ou fingiram demência.

Até o momento, todas as fraudes científicas publicadas durante a pandemia atacaram medicamentos baratos, genéricos e sem patentes ou foram fraudes que promoveram medicamentos caros e patenteados. Uma coincidência, certamente.

Esta é a segunda vez que o estudo de Itajaí é atacado sem argumentos científicos válidos. Em junho de 2022, a revista da USP atacou até mentindo sobre fatos. Nossa análise pode ser lida aqui: “COVID-19: Jornal da USP mente e distorce a ciência para atacar a ivermectina. Leia a análise completa“.

Nós, do MPV – Médicos pela Vida, agradecemos a colaboração do professor Daniel Tausk da USP – Universidade de São Paulo, pelo levantamento dos dados nos bancos de dados oficiais. A colaboração foi essencial para a reportagem. Além dele, agradecemos o pesquisador francês Massimaux, que prefere ser anônimo do Twitter, por rapidamente apontar dados fraudulentos. Segundo ele, era uma “verificação de sanidade”. Não passou.

Fontes

Dados do OpendataSUS
Dados do Brasil IO
Boletim Epidemiológico de Itajaí

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